Os Anjos de Deus Segundo a Bíblia

Os Anjos de Deus Segundo a Bíblia

16 de Junho, 2022 6 Por Getúlio Cidade

O tema relativo a anjos sempre despertou a curiosidade humana desde sua criação. Por certo, a era em que vivemos não é diferente e tal curiosidade apenas aumentou. Logicamente, é um tema tratado por diversas abordagens, gerando inúmeras matizes como em uma paleta de cores, dependendo da crença que se professa. No presente artigo, meu propósito é discorrer sobre o assunto com foco apenas nas Escrituras Sagradas. Analisarei apenas — de modo breve, pois o assunto é extenso — a descrição e atuação dos anjos de Deus segundo a Bíblia, lançando mão do hebraico para nos ajudar a elucidar um pouco mais sobre esses seres celestiais.

A palavra para anjo no hebraico é מלך (malach) que significa mensageiro, enviado. Os anjos de Deus (malachei Elohim), de acordo com o apóstolo Paulo (Shaul), são espíritos ministradores enviados para nos servir (Hb.1:14). Eles foram criados para servir e adorar a Deus. Ao servirem os filhos de Deus, estão, de igual modo, servindo a Deus. Em todas as aparições angelicais na Bíblia, é evidente o zelo e a determinação dos anjos em cumprir a vontade de Deus, executando a missão específica para a qual foram designados, seja para com uma só pessoa, um grupo, uma cidade ou para com toda a nação, como ocorreu algumas vezes na história de Israel.

Estão inseridos em uma hierarquia composta de diversos escalões e graduações. Por toda a Bíblia, constatamos que estão divididos por ministérios, os mais variados possíveis. Por exemplo, o capítulo 2 de Joel dá uma breve descrição dos anjos guerreiros e de sua complexa teia de hierarquia, ordem, força e atuação eficaz e impecável na batalha. O verso 11 mostra que se trata de um exército celestial.

Embora sejam conhecidos de modo geral por anjos, há grupos desses seres com nomes e ofícios específicos, mencionados nas Escrituras, como os querubins, serafins e os seres viventes. Isso não significa que todos os seres celestiais sejam abordados, mas esses são apenas os que a Bíblia aborda. Vamos analisá-los um por um.

QUERUBINS

Em um exame das Escrituras no original das passagens referentes aos seres vistos por Ezequiel nos capítulos 1 e 10, há duas coisas que saltam aos olhos. A primeira é o emprego da palavra מראה (marê) que é traduzida nas versões em português por visão, aparência, semelhança ou aspecto. Embora apareça apenas 104 vezes em toda a Bíblia hebraica (Velho Testamento), ocorre 37 vezes somente no livro de Ezequiel, sendo quinze apenas no capítulo 1 que trata da visão dos seres viventes. É uma ocorrência muito acima do normal para um pequeno trecho das Escrituras. Quando isso ocorre no original, é necessário que se analise o texto com mais atenção, pois certamente há algo especial a ser transmitido.

Ao se ler em hebraico o capítulo 1 de Ezequiel, especialmente dos versículos 26 a 28, chega a incomodar o excesso de vezes em que essa palavra ocorre. O que as diversas versões em português colocam como “havia uma semelhança”, “como a aparência”, “como que semelhante”, “como o aspecto de”, “esse era o aspecto”, enfim, são variantes de uma mesma palavra em hebraico. A impressão que se tem é que a tradução se utilizou de subterfúgios literários para não cansar o leitor com a repetição consecutiva de uma só palavra em tão poucas linhas.

A conclusão é: o que Ezequiel viu está muito além do que podia se expressar em palavras. É o que parece ressaltar o uso de uma só palavra para “semelhante, parecido”. Em resumo: parece, mas não é. Eu particularmente creio que Ezequiel, assim como João em Apocalipse, tiveram dificuldade para pôr em palavras essas visões impressionantes e sobrenaturais. O que viram transcende a capacidade humana de imaginação e, principalmente, de se tentar recriar isso por meio de desenho, animação computadorizada ou qualquer outra forma de arte. Não é uma crítica a quem tenta reproduzir tais visões, apenas um comentário de que, por mais que tentem, jamais conseguirão fazê-lo com fidelidade, pois não se retrata o sobrenatural de modo natural.

A segunda coisa que chama a atenção é o emprego da palavra חשמל (chasmal) que é traduzida por “cor de âmbar” (ARC) ou “metal brilhante” (NVI), por exemplo. É uma palavra de derivação desconhecida e que, de acordo com dicionários bíblicos, a provável tradução é âmbar. Essa é uma palavra que ocorre apenas três vezes em toda a Tanach (Bíblia hebraica) e apenas no livro de Ezequiel (Ez.1:4,27 e Ez.8:2). E nessas três vezes, ela se refere às visões sobrenaturais do profeta.

Embora de origem desconhecida no hebraico bíblico, chasmal é uma palavra bem conhecida no hebraico moderno e significa eletricidade. Novamente, parece que o texto original está escondendo algum segredo. Obviamente, a eletricidade era desconhecida no tempo de Ezequiel, mas o fato dele empregar essa palavra tão estranha e praticamente inexistente em toda a Bíblia, nos leva a imaginar o quão rara e sobrenatural foi essa visão. Quem sabe ele não viu realmente algo parecido com raios de altíssima voltagem que saía do meio do fogo, conforme descrito em Ezequiel 1:4?

No capítulo 10, Ezequiel faz menção aos seres viventes que vira no rio Quebar, no capítulo 1, e associa-os a querubins (Ez.10:15,20,22). O nome כרוב (querub) no singular, כרובים (querubim) no plural, também é de derivação desconhecida, mas certamente aponta para uma ordem de seres angelicais. A descrição é muito parecida com a de João em Apocalipse 4, exceto pelo número de asas e pelas rodas girantes e cheias de olhos que seguem os querubins quando estão sobre a Terra. Os muitos olhos sem dúvida apontam para a onisciência de Deus. As rodas parecem também estar ligadas aos feitos do Espírito (Ez.10:17). Esses seres parecem ter o ofício de transportar a “glória do Deus de Israel” — kavod Elohei Israel —, conforme Ez.10:19.  

SERAFINS

Ao contrário dos querubins, o termo serafins aparece apenas sete vezes na Tanach, sendo quatro vezes no livro de Isaías. Curiosamente, a palavra שרף (saraf) é definida como “serpente de fogo” ou “serpente abrasadora”. A aparição clara desses seres celestiais ocorre apenas em Isaías 6:1-7. Eles parecem estar ligados à santidade e à glória de Deus pela declaração do verso 3, bem como pela purificação de Isaías nos versos 6 e 7.

Na Torá, esse termo aparece para se referir às “serpentes abrasadoras” enviadas como castigo aos filhos de Israel no deserto, bem como à serpente feita sobre a haste de bronze como antídoto dado por Deus (Nm. 21:6-8). Entretanto, isso não quer dizer que os serafins tenham formato de serpentes. A visão de Isaías elimina essa possibilidade de interpretação. Saraf aparece também em Isaías 14:29 como “serpente venenosa e voadora”, novamente em alusão a castigo.

Conclui-se que o termo “serpente abrasadora ou de fogo” está ligado ao fogo do juízo divino, bem como ao fogo da santidade. Ao que parece, os serafins zelam por esses atributos de Deus e pertencem a uma ordem de seres angelicais específica.

SERES VIVENTES

João descreve os seres viventes ao redor do trono como outra classe de seres celestiais distinta. Acredito que ele não tenha encontrado nenhum nome específico para descrevê-los, embora se assemelhem à descrição dos serafins dada por Isaías. São únicos e somente quatro, com quatro faces cada (leão, boi, homem e águia), cheio de olhos por toda a parte. Cada um guarda um setor de noventa graus ao redor do trono. O número quatro aponta para os quatro cantos da Terra e seus pontos cardeais. O fato de estarem cheios de olhos mostra a onisciência de Deus para com toda a Terra e sua criação.

Cada ser aponta para um atributo específico do Senhor. O leão simboliza o poder e a majestade. O boi representa a força e o serviço. O homem aponta para o lado humano de Jesus (Filho do Homem é um nome messiânico); e a águia mostra sua natureza celestial e profética, pois é ave de voo altaneiro e que tudo vê; nada escapa a seu olhar. Por estarem posicionados imediatamente ao redor do trono no céu, estão ligados diretamente à adoração oferecida a Deus, em seu nível mais elevado, juntamente com os 24 anciãos. Apocalipse 5:14               

“ESPÍRITOS MINISTRADORES”

Em relação às visões dos profetas, precisamos ter cuidado para separar simbologia do que são seres celestiais. O que Isaías, Ezequiel, Daniel, João e outros homens viram foram seres reais, existentes no mundo espiritual e com nomes próprios e personalidades próprias. Daniel inclusive conversou com o anjo Gabriel que lhe trouxe revelações profundas sobre os tempos do fim, assim como Maria (Myriam) quando recebeu a notícia de que daria luz ao Messias. Antes de anunciá-lo, Gabriel também avisou da chegada de João, o Batista, a seu pai, o sacerdote Zacarias. Vemos que o ofício de Gabriel (Gavri’el – Homem de Deus) é o de entregar mensagens de eventos de extrema relevância na história de Israel e do mundo.

Outro anjo que aparece por nome nas Escrituras é Miguel (Micha’el – Quem é como Deus?). Este é chamado por Gabriel de “grande príncipe” protetor de Israel, ao entregar sua mensagem a Daniel. Em Judas 1:9, ele é chamado de arcanjo, cujo significado é o mesmo no grego. Muito provavelmente, Miguel é o anjo da mais alta hierarquia celestial e protagonizará um papel chave no fim dos dias, liderando a peleja dos incontáveis anjos de Deus sob seu comando contra o dragão e seus anjos (Ap. 12:7).

É relevante ressaltar essa pessoalidade dos anjos, pois, como os humanos, todos têm um nome e um ofício específico que lhes foram concedidos por Deus. A Bíblia descreve expressivas e variadas formas de operação dos anjos em seu serviço aos homens e a Deus. Há anjos que trazem mensagens do alto, que protegem, que confortam, que guerreiam, que curam, que controlam o fogo, as águas, os ventos e a atmosfera da Terra, que operam milagres, e assim por diante. A operação do Espírito Santo sobre a Terra passa pelo ministério dos anjos, esses “espíritos ministradores” que servem àqueles que hão de herdar a salvação. Certamente, para cada ofício e ministério dos homens, há um correspondente paralelo entre os seres angelicais. É disso que trata Hebreus 1:14.   

Embora eles tenham sido criados superiores aos homens (Salmo 8:5), não é bíblico invocar ou orar diretamente a anjos, muito menos adorá-los. João se prostou a um anjo durante sua experiência reveladora de Apocalipse, foi repreendido imediatamente por ele e exortado a adorar apenas a Deus (Ap. 19:10). Manoá, ao saber que sua mulher fora visitada por um anjo que lhe informara do nascimento de Sansão, orou a Deus e pediu que o enviasse novamente. E Deus atendeu seu pedido (Jz. 13:8-9).

O próprio Jesus contou com a atuação de multidões de anjos em seu ministério terreno (Jo. 1:51). E, em sua hora mais escura, ao ser traído, afirmou que, se quisesse, oraria ao Pai e Ele enviaria mais de doze legiões de anjos para livrá-lo (Mt. 26:53).[1] Isso reafirma não apenas o princípio de se orar apenas a Deus para que haja a atuação dos anjos, como também de que precisamos orar especificamente por sua atuação. As Escrituras contêm diversos exemplos de homens clamando a Deus para enviar seus anjos em seu favor em variadas situações. Essa é a maneira biblicamente correta de pedir pela ação dos anjos sobre a Terra.

De posse desse conhecimento, podemos cooperar com o multiforme ministério dos anjos ao orar a Deus de maneira específica, a fim de empregá-los apropriadamente em todas as áreas de nossas vidas, famílias, cidades e nações. Esses milhões ou bilhões de anjos, serafins, querubins, seres viventes e muitos outros que não são mencionados nas Escrituras podem ser bem mais numerosos e mais variados do que imaginamos, e compõem os exércitos dos céus, razão pela qual um dos nomes de Deus é Adonai Tzevaot (Senhor dos Exércitos).


[1] Legião era a divisão do exército romano e somava cerca de seis mil soldados. Portanto, Jesus estava falando da ação de cerca de 72 mil anjos.

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