As Parteiras dos Hebreus e a Páscoa

As Parteiras dos Hebreus e a Páscoa

21 de Abril, 2024 0 Por Getúlio Cidade

No próximo dia 22 de abril de 2024 (14 de Nisan), inicia-se mais uma Festa de Pesach, a Páscoa do Senhor. Há quatro nomes que definem essa gloriosa Festa e já escrevi sobre seu significado em artigos passados. Neste ano, gostaria de escrever sobre um tema aparentemente não relacionado a Pesach, mas que está intimamente ligado a ela, ainda que imperceptivelmente. Estou me referindo às parteiras dos hebreus no Egito durante o exílio do povo de Jacó.

Há várias interpretações sobre sua origem e sobre seu papel na sociedade egípcia da época e não pretendo discuti-las aqui. O fato central, porém, é que, sem essas parteiras, não teria sido possível o nascimento de Moisés (Moshe) — libertador e legislador de Israel. E sem Moisés, não haveria Páscoa nem o Êxodo do Egito. Quando pensamos na origem dessa Festa, a primeira coisa que vem à mente é o cordeiro pascal, bem como as demais ordenanças de Deus a Moisés em Êxodo 12, a saída apressada do Egito e a milagrosa travessia do Mar Vermelho. Entretanto, nada disso teria sido possível sem as valorosas parteiras dos hebreus.

Essas mulheres surgem em um período crítico na história de Israel. Quatro séculos se passaram e José que fora vice-rei do Egito era uma lembrança distante. O faraó que ascendera ao trono não o conhecera, bem como temia a multiplicação do povo hebreu que crescia cada vez mais forte e numeroso em sua terra. Ele os submeteu a trabalho escravo para os dominar. E, não satisfeito, deu ordem às parteiras dos hebreus para que matassem todos os bebês do sexo masculino ao nascerem. Faraó dá essa ordem a duas parteiras, cujos nomes eram Sifrá e Puá, e que, provavelmente, chefiavam muitas outras, talvez centenas, de forma a auxiliarem as mulheres grávidas, em meio a uma população de cerca de três milhões de hebreus.

A primeira coisa que me chama a atenção no capítulo 1 de Êxodo (Shemot, em hebraico, cujo significado é “nomes”) é que os únicos nomes citados no início do livro são os patriarcas das doze tribos, além de seu pai Jacó. Nem mesmo o nome do faraó é citado. Além dos patriarcas, os únicos outros nomes citados são os das duas parteiras-chefes. O próximo nome a ser citado após elas é o de Moisés (Moshe) no capítulo 2. Sifrá e Puá são o conduíte entre os patriarcas e Moisés. Elas foram as responsáveis indiretas pela redenção de Israel. O motivo disso foi o descumprimento da ordem de faraó para matar os bebês meninos.

“As parteiras, porém, temeram a Deus e não fizeram como lhes ordenara o rei do Egito; antes, deixaram viver os meninos” (Êx. 1:17). Esse pode ter sido o primeiro ato de desobediência civil da História e, graças a ele, uma geração inteira foi salva da morte, incluindo Moisés. Elas desobedeceram não por simples rebeldia, mas por temerem a Deus antes de tudo. Sem isso, o povo escravo estaria fadado à extinção, não haveria nenhum libertador, não haveria Êxodo e toda a semente de Abraão estaria comprometida. Não é de surpreender que seus nomes estejam eternizados na Torá, mais exatamente entre os patriarcas das doze tribos e o libertador de Israel.

Posteriormente, ao serem questionadas por faraó de por que deixaram viver os meninos, as parteiras respondem que as mulheres hebreias eram mais vigorosas que as egípcias e davam à luz sem auxílio de parteiras, o que era provavelmente verídico, primeiro, pelo número de parteiras que devia ser insuficiente e, segundo, porque as hebreias eram realmente mais saudáveis e fortes por uma questão de condicionamento físico, tendo em vista o trabalho duro a que eram submetidas. Embora essa tenha sido uma boa desculpa para sua desobediência, a verdade é que elas não cumpririam uma ordem humana, ainda que viesse diretamente de um rei, que pudesse desagradar a Deus.

Esse temor ao Senhor por parte das parteiras foi recompensado por Ele que “lhes constituiu família” (Êx. 1:21). No original, elas receberam do Senhor batim (casas). Uma interpretação interessante da tradição é de que as parteiras se tornaram matriarcas das famílias de Israel. Um dos tratados do Talmude afirma que as casas se referem ao sacerdócio levita que descendeu das parteiras como recompensa de Deus.[1] Essa, de fato, teria sido uma honrosa recompensa, considerando que os descendentes de Levi foram os únicos a serem comissionados para ministrarem diretamente a Deus, a partir do Sinai.

Imagem: Pinterest

EXEMPLO INSPIRADOR

Um dos nomes para a Páscoa é a de Festa da Liberdade (Hag HaCheirut). A história da libertação do Egito é coroada de milagres, mas é também fundamentada em entrega e sacrifício. Os primogênitos de Israel foram salvos pelo sangue do cordeiro pascal sobre os portais e umbrais das casas. Para que fossem poupados, foi necessária a morte de um cordeiro para cada lar.

Toda história de libertação de um povo teve por trás o ato de alguém corajoso que deu sua vida em troca da liberdade, tornando-se o símbolo perpétuo de uma causa ou de um povo. No Brasil, por exemplo, esse símbolo maior está na figura de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Na Escócia, está na figura de William Wallace. Estes homens tiveram de derramar seu sangue para catalisar a libertação de seus povos. Toda liberdade tem um preço alto e requer sacrifício, o que, na maioria das vezes, ocorre com derramamento de sangue.

Não há registros de que as parteiras dos hebreus tenham sido descobertas por sua desobediência e mortas por faraó. Isso, no entanto, não diminui o brilho de sua coragem e seu amor pelo próximo, arriscando suas vidas diariamente a cada parto. A história da liberdade da Páscoa se inicia com a atuação corajosa das parteiras dos hebreus, mulheres que temeram mais a Deus do que os homens. Certamente, quando o Senhor prometeu a Abraão que multiplicaria sua descendência como as estrelas do céu, tinha em mente a atuação vital das parteiras dos hebreus no Egito. É diante das adversidades que o caráter é provado. Para elas, teria sido mais fácil assassinar os bebês e alegar que estavam cumprindo ordens do rei. Todavia, sabiam que estariam em pecado diante de Deus e fizeram o contrário, preservando-lhes a vida. Seu exemplo inspirador grita das páginas das Escrituras até nossos dias.

AS PARTEIRAS E A MISSÃO DE MOISÉS

O capítulo 2 de Êxodo se inicia com o nascimento de Moisés. Sua história começa a ser contada nesse glorioso livro aqui exclusivamente por causa das briosas parteiras dos hebreus do capítulo 1. E a mesma coragem, zelo e temor a Deus que nortearam a vida daquelas mulheres serviram de inspiração para Moisés. É certo que ele conhecia a história de seu povo, mesmo tendo sido criado no palácio de faraó. Ele sabia da história das parteiras que auxiliaram no nascimento dos bebês hebreus e da bravura demonstrada ao arriscarem suas vidas para que eles vivessem, incluindo o próprio Moisés. Na luta para libertar seu povo do jugo da servidão, ele não poderia fazer menos.

Palavras podem motivar, mas o que realmente inspira e nos move é o exemplo. Não há dúvidas de que a atitude das parteiras dos hebreus estava guardada na memória de Moisés e veio à tona por ocasião de seu chamado pelo Eterno, em Midiã, diante da sarça ardente. Ele não poderia agir com menos excelência do que aquelas incríveis mulheres chamadas Sifrá e Puá que representavam muitas outras parteiras não citadas pelo nome, mas que detinham o mesmo elevado caráter.

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É com a fé em seu chamado, com o temor de HaShem e inspirado na coragem e entrega das parteiras dos hebreus que Moshe parte em direção ao Egito, já aos oitenta anos de idade, levando consigo seu cajado com o qual operaria milagres tremendos a fim de libertar seu povo Israel. O mesmo comportamento de fé e coragem é demonstrado por ele ao entrar no palácio real e desafiar faraó com as palavras ditas pelo Senhor: “Deixa meu povo ir”. Ele não teme o que lhe pode fazer faraó, nem toda sua guarda real, nem os feiticeiros do Egito que tentam, em vão, imitá-lo para intimidá-lo.

Moshe tem uma missão dada pelo Altíssimo e mergulha nela de cabeça, sem medo de ser ferido ou morto. Como as parteiras dos hebreus, ele foi impelido pelo temor do Senhor e não pelo medo de faraó. A verdade é que o homem que teme a Deus em seu coração e se submete a seus mandamentos para balizar suas palavras e ações não precisa temer nada nem ninguém. Assim, ele serve de canal para trazer as dez pragas sobre o Egito, enfrentando, em cada uma delas, a crescente hostilidade de faraó e do povo egípcio, porém, sem medo da morte, mas com foco em sua missão de libertar Israel.

AS PARTEIRAS E A MISSÃO DO MESSIAS

A mesma coragem e espírito de entrega e sacrifício foram vistas em Yeshua, o verdadeiro Cordeiro Pascal. Assim como Moisés, Ele manteve o foco durante toda a vida na missão recebida do Pai. Como as parteiras dos hebreus e Moisés arriscaram suas vidas, enfrentando faraó — homem mais poderoso da Terra em sua época —, Yeshua arriscou a sua, enfrentando os poderosos de seu tempo. Ele sabia, no entanto, que entregaria sua vida no final em sacrifício por toda a humanidade, derramando seu próprio sangue para trazer uma liberdade bem mais abrangente aos homens, mediante a libertação do jugo e da culpa do pecado. E, assim, Ele rendeu sua vida na mesma tarde do dia 14 de Nisan, quando o cordeiro pascal foi sacrificado por cada lar hebreu no Egito.

Ele falou apenas a verdade, levantou-se contra a injustiça, ensinou a vontade de Deus e afrontou a hipocrisia e malícia dos religiosos e poderosos de seu tempo. Ensinou-nos a não temer os que podem matar o corpo e não podem matar a alma, mas a temer aquele que tem o poder de destruir tanto a alma quanto o corpo no gei hinnom (inferno) (Mt. 10:28). Antes de ser condenado à morte, não temeu ao ser levado perante as mais altas autoridades religiosas e políticas, dando testemunho corajoso da verdade.

Jesus repreende os religiosos no Templo (cena do filme Jesus de Nazaré de Franco Zefirelli – captura de tela do YouTube)

Nessa Páscoa, quando milhares de famílias de judeus e cristãos do mundo inteiro se assentarem para participar do seder de Pesach — a Páscoa do Senhor —, os que creem em Yeshua o farão em memória de seu corpo e de seu sangue, como Ele mesmo determinou, pois Ele é o Cordeiro que nos trouxe vida eterna pela redenção. A história do Êxodo também será contada, especialmente para ensinar às crianças, e o nome de Moshe será mencionado, juntamente com os grandes milagres que libertaram o povo do Egito.

No entanto, pouquíssimos se lembrarão das parteiras dos hebreus — Sifrá e Puá —, mulheres que tiveram seus nomes registrados por Deus em sua Torá pelo temor a Ele e pela coragem diante dos homens, sentimentos opostos, porém, externados na direção correta. Isso não diminui a importância que suas vidas desempenharam na redenção de Israel, abrindo caminho para Moshe, libertador de Israel e, mais adiante, para o Messias, Libertador da humanidade, inspirando-os com coragem e fé. Que a memória dessas mulheres seja uma bênção!


[1] Sotá 11.b.

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