O Poder de um Voto

O Poder de um Voto

21 de Junho, 2023 3 Por Getúlio Cidade

O ato de fazer um voto a Deus está contido na Bíblia e, mesmo quem nunca a leu, já ouviu a respeito. O que poucos sabem é que a instituição do voto é oriunda da Torá e aparece em diversos livros do Velho Testamento, mas é mencionado apenas duas vezes no Novo Testamento, em Atos dos Apóstolos. O voto é um ato simples, mas profundo, e possui forte conotação espiritual. No entanto, uma vez feito, não pode ser anulado e pode liberar bênção ou maldição sobre quem o faz, tal é o poder de um voto a Deus.  

O registro do primeiro voto nas Escrituras está em Gênesis 28, feito por Jacó ao fugir de seu irmão Esaú, depois de ter roubado a bênção da primogenitura e logo após ter tido o sonho com a escada que chegava ao céu. Levou vinte anos para que Deus o trouxesse de volta à sua terra, período no qual não apenas atendeu ao pedido de Jacó, mas deu-lhe muito mais do que pedira. Além de alimento e vestes para o corpo, Deus lhe concedeu uma grande família, rebanhos e riqueza. O mínimo que Jacó poderia fazer em retribuição era cumprir sua parte no voto e assim o fez.

Um voto traz consigo um peso de responsabilidade por quem o faz, tornando-se uma obrigação para com Deus. Por outro lado, é tão importante para Deus que normalmente Ele o atende, ainda que demore. Assim é por todas as Escrituras. Em Números 21, por exemplo, vemos Israel aflito pelo ataque dos cananeus. Debaixo dessa aflição, o povo faz um voto de destruir suas cidades, caso consiga derrotá-los. Deus atende imediatamente seu pedido e os entrega em suas mãos. Eles, então, cumprem o voto.

A ordenança relativa ao voto ocupa um capítulo inteiro de Números e resume sua importância para Deus. “Quando um homem fizer um voto ao Senhor ou um juramento que o obrigar a algum compromisso, não poderá quebrar a sua palavra, mas terá que cumprir tudo o que disse.” Números 30:2 Nesta ordenança, fica patente, de igual modo, a importância que Deus dá à autoridade instituída por Ele mesmo, quando uma mulher pode ter seu voto anulado por seu pai ou seu esposo, se for solteira ou casada, respectivamente.

O salmista também exorta: “Oferece a Deus sacrifício de louvor e paga ao Altíssimo os teus votos” Salmos 50:14. No hebraico, a palavra para voto ou promessa é נדר (neder). É ligada pela mesma raiz à palavra נדיר (nadir) que significa raro, incomum. Uma pessoa que faz um voto a Deus, seja ele qual for, torna-se alguém raro, distinto para com Ele. Não é um exagero dizer que, após ter seu pedido atendido, essa pessoa será rastreada por Deus até cumprir seu voto.

OBRIGAÇÃO DE CUMPRIR

A obrigação de se cumprir um voto é novamente enfatizada no livro de Eclesiastes. “Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo; porque não se agrada de tolos. Cumpre o voto que fazes. Melhor é que não votes do que votes e não cumpras.” Eclesiastes 5:4,5 Um voto é algo muito sério perante Deus; precisa ser pesado e medido antes de ser feito. Se houver a mínima possibilidade de não pagá-lo por qualquer restrição eventual, definitivamente é melhor não fazer voto algum. Assim como o não cumprimento de um voto desagrada a Deus, o inverso também se aplica; Ele se agrada daqueles que lhe fazem votos e os cumpre fielmente.

O verso seguinte mostra o perigo a que se expõe quem faz um voto e não o cumpre. “Não consintas que a tua boca te faça culpado, nem digas diante do mensageiro de Deus que foi inadvertência; por que razão se iraria Deus por causa da tua palavra, a ponto de destruir as obras das tuas mãos?” Eclesiastes 5:6 Assim como o cumprimento de um voto atrai a bênção da fidelidade, seu não cumprimento atrai a maldição. Os próprios lábios que votam tornam a pessoa culpada diante de Deus quando tal voto não é cumprido. Não adianta dizer que foi um equívoco. Tal infidelidade desperta a ira de Deus que destruirá suas obras.

A raiz do verbo destruir (ח-ב-ל) também significa amarrar de modo apertado, como uma corda. Há muitas pessoas que não prosperam em nada do que fazem porque estão com as mãos amarradas pelo próprio Deus, sem poderem se desprender, por terem feito um voto no passado e não o terem cumprido. O pior disso é que, em grande parte dos casos, a pessoa não se lembra que fez um voto ou simplesmente ignorou seu cumprimento por achar que Deus não o exigiria. Isso é comum em tempos de angústia, quando se promete qualquer coisa a Deus, esperando que Ele responda e, após obter a resposta esperada, simplesmente abandona-se o que foi prometido, como se Deus pudesse esquecer o que foi dito. É pura falta de conhecimento de Deus, do temor que lhe é devido e mostra de incredulidade.

Outro aspecto importante do voto é seu cumprimento. Na medida do possível, ele deve ser cumprido diante de pessoas da mesma fé. O motivo para isso é claro: glorificar o nome do Senhor perante os que testemunharem seu cumprimento. Assim declaram os salmos. “De ti vem o meu louvor na grande congregação; cumprirei os meus votos na presença dos que o temem.” Salmos 22:25 “Cumprirei os meus votos ao Senhor, na presença de todo o seu povo.” Salmos 116:14

Recentemente, passei pela experiência do cumprimento de um voto que durou sete anos, até receber o que pedira a Deus. Como seu cumprimento era privado e difícil de cumprir na frente de outras pessoas, filmei-o e divulguei-o pela conta do Instagram. Foi a forma que encontrei de cumprir essa ordenança. Portanto, um voto pode ser feito em secreto, porém, seu cumprimento pode e deve, na medida do possível, ser feito diante do povo de Deus para que Ele seja exaltado. Se for algo de natureza mais íntima, que se divulgue seu cumprimento apenas, sempre com o propósito de exaltar a Deus, nunca de exaltar quem fez o voto.

O VOTO DE TOLO

O voto aceitável a Deus é aquele que pode ser cumprido dentro de seus mandamentos. A restrição autoimposta mencionada em Números 30 para cumprir um voto é logicamente baseada nisso como, por exemplo, o voto de nazireu. Eclesiastes chama de tolo aquele que promete algo e não cumpre. Existe também aquele que é tolo pelo voto que faz em desacordo com os mandamentos, oferecendo algo que vai de encontro à Palavra de Deus. O melhor exemplo bíblico está na história de Jefté, no livro de Juízes.

Antes de sair à guerra contra os amonitas, Jefté prometeu a Deus que, se os derrotasse na batalha, ele lhe ofereceria por holocausto a vida da primeira pessoa que viesse saudá-lo em seu regresso da campanha militar. Jefté obtém a vitória e a primeira pessoa a recebê-lo com alegria e com danças em seu retorno é sua filha única, ainda virgem. Não é preciso imaginar a angústia, a tristeza e a dor que ele sentiu, bem como sua filha, sua família e todo Israel diante do cumprimento desse voto. Os dois meses de demora para cumpri-lo, ocasião em que sua filha chorou sua morte com suas amigas nos montes de Israel, só acrescentaram mais dor a esse sofrimento.

Imagem: Pinterest

No entanto, Deus nunca requereu sacrifício humano, sendo a única exceção seu próprio Filho que entregou para salvação do mundo. Se Jefté conhecesse a Torá, jamais teria feito tal voto desprovido de qualquer sensatez. Em Levítico 27, está previsto o voto em relação a pessoas oferecidas a Deus, porém, ele era cumprido mediante redenção de pagamento em dinheiro (siclos de prata) ao sacerdote, jamais pela morte da pessoa que era consagrada. Jefté cumpriu seu voto de algo que era proibitivo pela Torá, que Deus nunca exigiu de homem algum, nem mesmo de Abraão que obedeceu ao se dispor em sacrificar Isaque. Foi um voto de tolo, gerado por completo desconhecimento da Palavra.

O voto de Jefté foi feito debaixo da angústia de um combate iminente. Muitas pessoas fazem voto em situação similar, quando enfrentam tormentas e tribulações terríveis. A Bíblia também menciona esse tipo de voto: “pagar-te-ei os meus votos, que proferiram os meus lábios, e que, no dia da angústia, prometeu a minha boca” Salmos 66:13,14. Qualquer voto pode ser feito em uma condição de aflição, porém, precisa ser de algo não proibido pela Palavra e, uma vez feito, precisa terminantemente ser cumprido. Mesmo sob aflição, deve-se pensar duas vezes antes de fazer um voto, pois é um laço para o homem refletir só depois de feito o voto (Pv. 20:25).

O VOTO AGRADÁVEL A DEUS

O oposto do voto de tolo é aquele feito dentro dos mandamentos e que glorifica somente a Deus, nunca o homem. Não é por acaso que os votos eram cumpridos no Templo, diante do povo de Deus, onde apenas o Senhor era glorificado. Vejamos um exemplo bíblico de um voto que glorificou a Deus e até hoje colhe-se de seu fruto. Refiro-me ao voto de Ana (Hanah), mãe de um dos maiores profetas e líderes que já houve em Israel.

Ana era estéril e esposa de um homem casado com duas mulheres. A outra esposa que possuía vários filhos a desprezava e a provocava por sua esterilidade. Ser estéril, naquele tempo em Israel, era algo vexatório, pois todas as mulheres esperavam que o Messias viesse de sua descendência. Em uma de suas viagens a Siló, onde permanecia erguido o Tabernáculo, a fim de adorar a Deus, seu esposo Elcana percebe a tristeza de Ana que não comia do sacrifício junto com o restante da família. Seu coração estava angustiado pela afronta da outra esposa. É nesse contexto que ela faz seu voto a Deus.

“E Ana, com amargura de alma, orou ao Senhor e chorou muito. Ela fez um voto, dizendo: — Senhor dos Exércitos, se de fato olhares para a aflição da tua serva, e te lembrares de mim, e não te esqueceres da tua serva, e lhe deres um filho homem, eu o dedicarei ao Senhor por todos os dias da sua vida, e sobre a cabeça dele não passará navalha.” 1 Samuel 1:10,11

Perceba que ela não permitiu que o rancor tomasse conta de si e orasse contra a outra mulher de Elcana. Não há resquício de ira nem desejo de vingança em sua oração. Ela faz o voto debaixo de profunda angústia, pois não suportava mais toda humilhação sofrida a cada ano, quando Elcana subia a Siló com a família para adorar a Deus. Se todos que sofrem injustiça ou qualquer tipo de humilhação buscassem a face de Deus como Ana, o desfecho de muitas histórias seria diferente. Deus ouve orações verdadeiras e sempre responde a quem se achega a Ele com lágrimas sinceras. Foi assim com Ana e, no momento oportuno, “o Senhor se lembrou dela”.

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Então, nasceu Samuel e Ana cumpriu integralmente seu voto, entregando-o aos cuidados do sumo sacerdote Eli, tão logo o menino foi desmamado, para que servisse a Deus todos os dias de sua vida. E assim foi. Samuel (Sh’muel) significa “ouvido de Deus” ou “Deus ouviu”, uma clara alusão ao voto de Ana feito em meio à aflição de alma e às lágrimas de vergonha. Foi não somente um dos maiores profetas da história de Israel, mas sacerdote e seu último juiz. Foi ele quem ungiu os dois primeiros reis de Israel, Saul e Davi. Sua vida e ministério é um pilar de exemplo do poder de um voto feito com integridade de coração que visa a glorificar o nome do Senhor. Em sua infinita bondade e fidelidade, após Samuel ser entregue para Deus, Ele concedeu que Ana gerasse mais três filhos e duas filhas. Ela entregou um filho e ganhou mais cinco de volta. Deus é fiel!

Para finalizar, ressalto o voto feito por Paulo, mencionado em Atos 18:18, ocasião em que, passando por Cencreia, raspou a cabeça para cumpri-lo. Esta é uma das duas únicas menções no Novo Testamento de um voto feito por um discípulo de Yeshua (a outra está em Atos 21:23). O fundamento para tal voto se encontra nos capítulos 6 e 30 de Números, pois Paulo fizera um voto de nazireu. Esse versículo por si só derruba qualquer especulação de que Paulo não mais cumpriu a Torá após reconhecer o Messias Yeshua. Ao contrário, como rabino e fariseu que foi por toda a vida, era seu fiel observador, assim como foi o próprio Yeshua.

O poder de um voto sincero a Deus é incalculável e pode deflagrar respostas milagrosas por parte dos céus. No entanto, uma vez feito, não pode ser anulado, a não ser nos casos previstos na própria Torá (Números 30). Seu cumprimento atrairá sobre o autor do voto a bênção e a paz com Deus. Por outro lado, seu não cumprimento acarretará a maldição de uma vida amarrada e impedida de prosperar. Guarde bem isso e reflita antes de proferir qualquer voto a Deus.


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