Yeshua, o Pão Vivo que desceu do Céu

8 de Abril, 2021 0 Por Getúlio Cidade

Embora a Páscoa do Senhor já tenha passado, ainda nos encontramos dentro do mês de Nisan, mês este conhecido como “tempo de nossa redenção” ou ainda “tempo de nossa liberdade”, e por isso é oportuno falar de um elemento muito especial na mesa do seder de Pesach: o pão asmo ou matzah. Todos sabemos que esse é o pão que aponta para Yeshua, o verdadeiro pão vivo que desceu do céu para nos salvar. Mas talvez poucos saibam dos detalhes que tornam o matzah tão peculiar e único em sua semelhança com o Messias a ponto do próprio Yeshua se identificar abertamente com ele diante dos judeus.

Em uma mesa de seder, como a que Yeshua participou com seus discípulos na última noite que aqui passou, há fartura de pães asmos ou matzot (plural de matzah). Comer pães asmos durante a Páscoa do Senhor é uma ordenança instituída em Êxodo 12:15, ao mesmo tempo em que se deve retirar qualquer espécie de fermento de dentro de casa. O fermento é um dos principais símbolos de pecado nas Escrituras. Assim como não é fácil comer pão sem fermento por vários dias consecutivos, não é simples viver uma vida sem pecado, fugindo da tentação, andando em santidade. Esse é um dos motivos do matzah ser chamado de pão de aflição (Deuteronômio 16:3), não somente por ter sido comido às pressas durante a fuga do Egito, mas por ser difícil para o homem viver sem o fermento, afligindo sua alma.

Contudo, foi exatamente assim que caminhou Yeshua nesta Terra, irrepreensível, imaculado, incontaminado e, mesmo tendo sido tentado em tudo, não pecou (Hebreus 4:15). As Escrituras também afirmam que Yeshua “não cometeu pecado, nem na sua boca se achou engano” 1 Pedro 2:22, assim como sofreu sobre si nossas aflições. “Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido” Isaías 53:4. As palavras empregadas para aflição em Deuteronômio e aflito em Isaías possuem a mesma raiz no hebraico(ע-נ-ה) . Portanto, não há personagem algum por toda a Bíblia que se assemelhe mais ao matzah do que o Filho de Deus.

O matzah moderno é como um biscoito tipo cracker, marcado por listras e perfurações por toda sua extensão. Ao olhar para essas listras e perfurações, somos remetidos imediatamente à seguinte passagem: “Mas ele foi traspassado por causa das nossas transgressões e esmagado por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos sarados” Isaías 53:5 (grifo nosso). Essas feridas são como as listras que marcam o matzah. E as perfurações nos lembram também que Yeshua foi transpassado, perfurado nas mãos e nos pés ao ser pregado à cruz. Como diz Zacarias, ao profetizar sobre o Messias: “e olharão para mim, a quem traspassaram”. É incrível que muitos séculos depois de sua morte, Yeshua continue tão assemelhado ao matzah, inclusive em seu formato físico moderno, como é conhecido pelos judeus do mundo inteiro.

O Sacrifício de Isaque

Durante o seder, uma das etapas iniciais consiste em pegar três matzot empilhados um sobre o outro, separar o do meio e parti-lo ou quebrá-lo. Esse matzah, então, é enrolado em um pano de linho e escondido da vista de todos os presentes até o momento certo de voltar à mesa. Há uma corrente na tradição que ensina que esses matzot representam Abraão, Isaque e Jacó. Há outras tradições a respeito desses pães, porém não vou abordá-las aqui por questão de espaço. Considerando, porém, que os patriarcas são representados por esses matzot, por que o do meio que representa Isaque é quebrado?

O matzah quebrado, suas marcas e furos apontam profeticamente
para o sofrimento do Messias.

A resposta é que o ato de se quebrar o matzah faz menção ao sacrifício de Isaque, mais conhecido no judaísmo como Akedah Yitzchak, quando ele se ofereceu no altar em obediência a seu pai Abraão. Ao contrário do que muitos pensam, Isaque não era nenhuma criança quando subiu ao altar, mas possuía 37 anos conforme a tradição. Isso comprova que foi um ato voluntário e de pura obediência a Abraão. Quando se parte o matzah do meio, faz-se menção a esse sofrimento pelo qual passou, todo o estresse emocional que antecedeu sua subida ao altar e o terrível momento em que quase foi morto por seu pai.  

O ato de quebrar esse pão especial é também uma menção ao sofrimento de Abraão que, como pai, teve de seguir a ordem divina de sacrificar seu filho até o último instante para provar sua fé. Não é à toa que a primeira ocorrência da palavra amor nas Escrituras se refere ao amor de um pai por um filho (“o teu único filho a quem amas”) que deveria ser sacrificado na terra de Moriá. O prenúncio do holocausto de seu filho amado certamente gerou uma dor inexprimível nas entranhas de Abraão.

Akedah Yitzchak é a Paixão de Isaque e uma imagem profética da Paixão de Yeshua ao entregar sua vida no altar de Deus para salvar a humanidade. As semelhanças de Isaque e Yeshua são muitas; vejamos. Tanto Isaque quanto Yeshua nasceram de modo milagroso; ambos eram filhos únicos, Isaque único filho legítimo de Abraão e Yeshua o unigênito do Pai; ambos foram sacrificados em Moriá; ambos passaram por uma paixão; ambos foram ressuscitados no terceiro dia (ver Gênesis 22:4), considerando que o livramento de Deus a Isaque foi como uma nova vida; ambos aceitaram voluntariamente serem sacrificados e carregaram a madeira de seu próprio holocausto nas costas.

Assim, quando o líder do seder toma o matzah do meio, eleva-o à vista de todos e o divide, está também fazendo menção ao sofrimento de Yeshua, relembrando as palavras proféticas de Isaías de que Ele foi “ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades” e de que “pelas suas feridas fomos sarados”. Ao mesmo tempo, ele está se referindo ao sofrimento experimentado pelo Pai ao oferecer seu único Filho como sacrifício para salvar o mundo inteiro.

“Este pão é a minha carne”

Esse matzah especial volta à cena antes de se beber o terceiro cálice do seder, após ter permanecido escondido de todos, enrolado em um pano de linho. Ele é o retrato profético do Messias sofredor que, tendo sofrido sua Paixão e morrido, foi enrolado em um pano de linho e sepultado por três dias, onde permaneceu escondido da vista de todos. O ato de se trazer esse pedaço partido à mesa possui uma conotação muito maior que o sofrimento de Isaque, mas mostra que o Pão que foi ferido e morto, ressuscitou e está vivo. E assim como esse matzah retorna para a mesa, ao fim do seder, Yeshua também retornará para estabelecer seu Reinado por toda a Terra.

Quando os Evangelhos relatam que Yeshua, durante seu último seder, toma o pão e o reparte entre os discípulos, está tomando o matzah do meio que ficou escondido durante boa parte do seder da vista dos discípulos. Essa tradição remonta ao segundo Templo e já existia em seu tempo. Nesse momento, Ele instaura a Ceia do Senhor, afirmando que aquele matzah especial apontava para Ele mesmo e para sua carne. “Tomai e comei; isto é o meu corpo” (Mateus 26:26). Em seguida, vem o terceiro cálice do seder, o cálice da salvação, o mesmo que Ele bebeu e deu aos discípulos para beberem, afirmando que era seu sangue derramado para remissão dos pecados (Mateus 26:27-28).

Esse último seder de Yeshua foi reservado apenas para seus discípulos. E talvez eles não tenham se escandalizado com a ideia de comer a carne e beber o sangue de um homem, por mais simbólico que pudesse parecer, pelo fato de Yeshua, em um de seus sermões abertos ao público, já ter exposto isso de modo claro em outra ocasião, o que não deixou de ser estarrecedor para os judeus que o ouviram, incluindo muitos de seus seguidores.

Refiro-me ao discurso de João 6, quando Yeshua se identifica como sendo o Pão que desceu do céu e o Pão da vida. Ele menciona primeiro o maná que seus antepassados comeram no deserto quando Israel deixou o Egito na primeira de todas as Páscoas. Aquele era um alimento especial e sobrenatural que sustentou os israelitas diariamente por quarenta anos. Contudo, Yeshua diz: “Eu sou o pão da vida. Os seus antepassados comeram o maná no deserto, mas morreram. Todavia, aqui está o pão que desce do céu, para que não morra quem dele comer. Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Se alguém comer deste pão, viverá para sempre. Este pão é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo” João 6:48-51.

Na cabeça dos judeus, não poderia haver alimento mais milagroso que o maná, pois este caíra de modo sobrenatural do céu sem falhar um só dia por quarenta anos, sendo capaz de sustentar milhões de pessoas de uma só vez em um ambiente inóspito como o deserto. Entretanto, todos os que dele se alimentaram morreram fisicamente. É nesse contexto que Yeshua se revela como o único alimento capaz de dar a vida eterna, o que não foi compreendido pela maioria dos presentes, incluindo alguns discípulos que deixaram de segui-lo por esse discurso.

Em seu último seder, certamente seus discípulos que estiveram com Ele naquela ocasião lembraram-se dessas palavras. Estavam diante de alguém que era muito maior que o maná comido por seus antepassados no Sinai, assim como diante de alguém muito maior que Isaque, representado pelo matzah do meio, partido e escondido a cada seder de Páscoa. Yeshua era o próprio matzah especial da Páscoa do Senhor; sem fermento, sem pecado; com listras marcantes representando suas feridas que nos trazem cura; perfurado, trespassado para nos redimir e salvar. Muito mais que o maná que caía do céu para alimentar o povo, Ele era e é o Pão vivo que desceu do céu para alimentar nosso espírito e nos trazer a vida eterna.


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