A Reconciliação Profética de Esaú e Jacó

A Reconciliação Profética de Esaú e Jacó

7 de Junho, 2021 6 Por Getúlio Cidade

Após abordar nos últimos artigos um pouco sobre o conflito entre Esaú e Jacó, irmãos que deram origem a povos distintos, árabes e judeus, gostaria de falar sobre a paz selada entre eles descrita no livro de Gênesis. A reconciliação profética de Esaú e Jacó, assim como a presente guerra entre eles, também aponta para os tempos do fim.

Falar desse tema agora também parece oportuno, uma vez que, na semana que passou, os Emirados Árabes Unidos (EAU) abriram sua embaixada em Israel, restaurando formalmente as relações diplomáticas após os Acordos de Abraão assinados no ano passado. Os EAU são o primeiro país do Golfo Pérsico a dar esse passo que será seguido por Bahrein, também assinante desses acordos. Aliás, o nome dos acordos não poderia ter nome mais apropriado, uma vez que Abraão é pai de árabes e judeus, e um verdadeiro pai tem prazer na reconciliação de seus filhos.

A história da vida dos patriarcas de Israel contém não apenas significados profundos, mas normalmente apontam para eventos futuros que irão se suceder ao povo judeu. Por exemplo, a história de José e seus irmãos aponta para o futuro encontro entre Israel e o Messias. A reconciliação entre Esaú e Jacó não é diferente. Trata da futura reconciliação de Israel com o remanescente árabe que for salvo por Deus.

A descendência de Esaú e Jacó vive permanentemente em conflito. Amaleque (neto de Esaú) é o principal inimigo de Israel, com quem o Senhor jurou “fazer guerra de geração a geração” até “riscar seu nome de debaixo do céu”. No entanto, há um remanescente de Edom (Esaú), certamente não da raiz direta de Amaleque que está condenado à eliminação por ter afrontado o próprio Senhor. Tal remanescente será salvo, conforme profetizou Zacarias, um dos profetas mais relevantes quando o assunto se trata dos tempos do fim e um dos mais citados no Novo Testamento.

No capítulo 9, Zacarias abrange, ao mesmo tempo, as duas vindas do Messias. A primeira está no verso 9, quando diz que Ele virá a Sião montado em um jumento, o que foi cumprido e ressaltado pelos autores dos Evangelhos. O verso seguinte já aborda sua segunda vinda, ao dizer que Ele anunciará paz às nações e estenderá seu domínio de mar a mar, algo que será cumprido em seu Reino milenar. Portanto, dois versos consecutivos estão separados por séculos e milênios na cronologia da manifestação do Messias.

Nesse mesmo capítulo, Zacarias fala do castigo a ser infligido aos inimigos de Israel. Ao falar dos filisteus, povo que deu origem ao moderno termo “palestinos”, e chamar pelo nome suas cidades, há uma promessa inusitada. O Senhor diz que reservará um remanescente dos filisteus para Ele que será como príncipe em Judá (v. 7). Que promessa! Sabemos que se trata de uma profecia que ainda não foi cumprida.

Certamente a referência aqui é não apenas de um remanescente palestino (e sabemos que Deus tem suas testemunhas entre os irmãos árabes que não são poucos, mas que vivem sua fé em secreto devido à intensa perseguição dentro do islã). Mas trata-se de um remanescente que abrange o povo árabe em geral, todo ele descendente de Esaú. Certamente, tal remanescente terá um local de destaque no Reino do Messias, pois será como “príncipe em Judá”, a própria tribo de Davi e de seu ramo mais precioso, o Filho de Davi.

Portanto, precisamos compreender esse retorno de Jacó à terra de Israel, após um longo exílio de vinte anos, e seu reencontro com seu irmão gêmeo Esaú como uma profecia que ainda está por se cumprir. É um reencontro único nas Escrituras e uma reconciliação profética que irá se repetir no fim dos dias.

FACE A FACE

A história está narrada em Gênesis 32 e 33. Ao regressar para a terra de Canaã, Jacó recebe a notícia de que Esaú vem a seu encontro com quatrocentos homens. Ao saber disso, ele teme e se angustia, pois sabia que seu irmão nutrira, durante todo esse tempo, o desejo de vingança por ter sido enganado. Esaú ainda via Jacó como alguém aproveitador, um presunçoso e arrogante, do tipo que pisava em qualquer um para se beneficiar. E certamente viu nesse retorno a oportunidade de fazer o acerto de contas que tanto desejava. Suas intenções eram belicosas. Do contrário, por que iria de encontro a Jacó com quatrocentos homens?

O temor de Jacó é pertinente e o mesmo providencia o envio de presentes à sua frente, na forma de gado, para aplacar a ira de Esaú. Além disso, divide a família em grupos de mulheres e filhos, permanecendo na retaguarda. Espera que essa visão de família grande desperte algum sentimento humano no irmão. Porém, na noite anterior, ele decide ficar só, antes de atravessar o ribeiro de Jaboque e entrar em Canaã.

É nessa noite que ocorre o evento mais significativo de toda sua vida. Ele encontra um mensageiro de Deus que peleja consigo até o amanhecer. Ao prevalecer contra ele, o representante divino toca sua coxa e a desloca, causando-lhe uma deficiência física que o fez mancar pelo resto de sua vida. Foi um encontro doloroso, mas Jacó vira Deus face a face e, por isso, chamou aquele lugar de Peniel (face de Deus).  

Peniel foi uma experiência de quebrantamento, humilhação e transformação. Deus precisava lidar com Jacó para arrancar todo resquício que pudesse haver nele de orgulho, cobiça e egoísmo. Era preciso que ele reconhecesse e amasse Esaú, independente do caráter de seu irmão. Por sua vez, Jacó tem seu nome mudado em Peniel, passando a ser agora Israel (da mesma raiz do verbo lisrot que significa “lutar”), pois prevaleceu ao lutar com Deus. Não apenas seu nome, seu caráter também foi transformado.

Parece que o melhor do homem é exposto em meio ao sofrimento. Paulo declara que “o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” 2 Coríntios 12:9. É assim que Deus trabalha com qualquer homem que deseja usar poderosamente e foi assim com Jacó, agora Israel, mancando e quebrantado, porém, um homem que viu Deus face a face e resplandecia o Senhor em seu próprio rosto.

As tribulações pelas quais passara desde que deixara Canaã, justamente por causa de Esaú, foram um preparativo para esse encontro no ribeiro de Jaboque. O tratamento enganoso que recebeu de seu sogro Labão, no tocante a Lia e Raquel,  no tocante ao salário de pastor, serviram para tratá-lo e humilhá-lo, mas a transformação definitiva veio somente em Peniel. Quando o homem se encontra verdadeiramente com Deus, sua vida é transformada para sempre.

COMO A FACE DE DEUS

É esse novo Jacó, agora Israel, que caminha em direção a Esaú. E, então, eles se encontram. Ao avistar um ao outro, algo estranho e inesperado acontece. Seus olhos foram surpreendidos com uma imagem totalmente diferente da que esperavam encontrar em ambos os rostos. “Então Esaú correu-lhe ao encontro, e abraçou-o, e lançou-se sobre o seu pescoço, e beijou-o; e choraram” Gênesis 33:4. O encontro que antes tendia a ser um enfrentamento com derramamento de sangue passa a ser com derramamento de lágrimas, emotivo e comovente. Dois irmãos que não se veem há vinte anos beijam-se e choram abraçados um no ombro do outro. É uma cena de tocar o coração mais endurecido e certamente comoveu o coração de Deus.

Essa passagem é tão relevante na Torá que a palavra original para “e beijou-o” (vaishaquehu) tem um ponto grafado sobre cada letra da palavra para enfatizar a reconciliação entre esses irmãos. Não era o encontro que os dois esperavam, mas era o que Deus planejara. Ao olhar Jacó, Esaú não viu o irmão soberbo e trapaceador de quem se ressentia e queria se vingar, mas viu Israel, um homem alquebrado pelo sofrimento, mancando de uma perna, humilde e de caráter transformado.  

Jacó, por sua vez e pela primeira vez em sua vida, não viu Esaú como um competidor, como um homem a ser vencido ou como alguém que merecia sofrer por desprezar sua primogenitura. O medo que o assolava se dissipa e ele sente um profundo amor por Esaú, sangue de seu sangue, e o enxerga pela primeira vez como irmão de verdade. Jacó ainda diz a Esaú que ver o seu rosto foi “como se tivesse visto o rosto de Deus” Gênesis 33:10.

Na noite anterior, Jacó acabara de pelejar com Deus e ver sua face em Peniel. Agora dizia que ver Esaú era como se ver a face ou o rosto do próprio Deus. Jacó não estava mentindo nem bajulando Esaú. Ele compreendeu que, quando se tem um verdadeiro encontro com Deus, reconhecemos sua face e sua presença na vida de nosso irmão, pois ele é obra de suas mãos e também habitação de seu Espírito. João, o apóstolo amado, foi o que melhor nos transmitiu essa verdade ao escrever: “Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?” 1 João 4:20.

Nesses dois capítulos especiais de Gênesis, é digno de nota ressaltar que a palavra traduzida por “face” ou “rosto” e suas derivações aparecem dezoito vezes no original, uma quantidade bem acima da média para os demais capítulos, embora não seja traduzida assim no português. Parece realmente uma preparação para o encontro de Jacó que, primeiro, precisa ver a face de Deus para, em seguida, reconhecê-la em Esaú. Este, por sua vez, embora não tenha visto o Senhor, vê sua face em Jacó que agora era capaz de refleti-la.

Jacó só seria realmente próspero e só poderia ser pai das doze tribos de Israel após se reconciliar com Esaú. A lição principal é que não há como usufruir da plenitude de Deus em nossas vidas se abrigarmos algum tipo de facção, mágoa ou inimizade contra nossos irmãos.

O encontro de Jacó em Peniel aponta para o futuro encontro da nação de Israel com o Messias (Zacarias 12:10, Romanos 11:26 e outras passagens), quando se manifestar para salvar Israel de seus inimigos. Assim como Jacó, Israel verá o Senhor face a face e, então, estará pronto para se reencontrar e se reconciliar com o remanescente de Esaú que for salvo. E, da mesma forma, todo Israel saberá que olhar para seus irmãos árabes que reinarão “como príncipe em Judá” (enxertados na Oliveira pelo Messias) será como ver o rosto do próprio Deus.

“Oh! quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união.” Salmos 133:1


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