“O Lugar” e a Escada de Jacó

“O Lugar” e a Escada de Jacó

25 de Novembro, 2021 4 Por Getúlio Cidade

Ao fugir de seu irmão Esaú, Jacó teve uma experiência que mudaria sua vida e definiria o futuro da nação de Israel. Quando partiu de Berseba rumo a Harã, ele passou uma noite a céu aberto em um lugar especial, ocasião em que teve um sonho também especial. Vamos explorar o que diz a Torá sobre “o lugar” e a escada de Jacó avistada por ele nesse sonho.

“Partiu, pois, Jacó de Berseba, e foi a Harã;
E chegou a um lugar onde passou a noite, porque já o sol era posto; e tomou uma das pedras daquele lugar, e a pôs por seu travesseiro, e deitou-se naquele lugar.
E sonhou: e eis uma escada posta na terra, cujo topo tocava nos céus; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela;
E eis que o Senhor estava em cima dela, e disse: Eu sou o Senhor Deus de Abraão teu pai, e o Deus de Isaque; esta terra, em que estás deitado, darei a ti e à tua descendência;
E a tua descendência será como o pó da terra, e estender-se-á ao ocidente, e ao oriente, e ao norte, e ao sul, e em ti e na tua descendência serão benditas todas as famílias da terra;
E eis que estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei tornar a esta terra; porque não te deixarei, até que haja cumprido o que te tenho falado.” Gênesis 28:10-15

A escada vista por Jacó mostra os anjos subindo e descendo, nesta sequência. Há anjos na Terra cumprindo sua missão e ascendem aos céus para prestar contas. Há anjos que recebem suas missões e descem para executá-las. No topo da escada está o próprio Senhor. Jacó vê Yeshua em sua plenitude espiritual, muito antes de sua encarnação, controlando e mediando o fluxo de anjos que sobem e descem para cumprir suas ordens. Sem dúvida, é uma visão que inspirava reverência e temor, ainda que majestosa.

Foi um sonho incomum. Podemos dizer que se tratou mais de um marcante encontro do que de um sonho em si. Por isso, ao despertar no meio da noite, ele exclama: “Na verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia. E, temendo, disse: Quão temível é este lugar! É a Casa de Deus, a porta dos céus”. Gênesis 28:16,17 A palavra traduzida por porta é, na verdade, portão que também pode ser traduzido por portal, a passagem de uma dimensão para outra, onde os céus tocam a Terra, ligados por uma escada celestial.

Jacó reconhece que ali era um lugar especial onde a presença de Deus era palpável, embora ele tenha sido insensível a ela até o momento de dormir. Ciente de que aquele não era qualquer lugar, ao levantar-se para prosseguir sua viagem, Jacó toma a pedra que utilizou por travesseiro e a ergue instintivamente como coluna memorial, ungindo-a com óleo, a fim de santificar o local.

O ato de santificar aquele lugar especial mostra que Jacó compreendeu sua plena importância e seu significado. Por isso, chamou-o de Beit El ou Casa de Deus, pois ali vira o Senhor que lhe falara e lhe encorajara antes de prosseguir na jornada que mudaria seu destino, bem como o destino da nação de Israel. Ele somente voltaria à Terra Prometida vinte anos depois, já com seus doze filhos — um para cada tribo — e, em seu regresso, terá outro encontro tão importante como esse, quando seu nome será mudado para Israel.

HAMAKOM – O LUGAR

Quando lemos essa passagem em hebraico, a primeira coisa que salta aos olhos é a ocorrência do termo המקום (Hamakom), “o lugar”, que se dá seis vezes em um espaço de apenas treze versos. Essa frequência em um texto tão curto é única nas Escrituras. Apenas no verso 11, ela ocorre três vezes e cabe aqui uma ressalva. Em sua primeira aparição no texto, o substantivo para lugar é precedido de artigo definido. Portanto, a tradução literal é: “E chegou ao lugar onde passou a noite” e não “a um lugar”, conforme consta nas traduções em português. Logo, a Torá parte do princípio de que se trata de um lugar conhecido para o leitor. É um local conhecido dos patriarcas bem como de todos os judeus.

Segundo a tradição, esse é o mesmo lugar para onde Deus enviou Abraão a fim de oferecer Isaque em sacrifício. É o lugar ao qual Abraão chamou de Adonai Yireh. “E pôs Abraão por nome àquele lugar — O Senhor Proverá. Daí dizer-se até ao dia de hoje: No monte do Senhor se proverá.” Gênesis 22:14

Naquele lugar especial, Abraão e Isaque tiveram uma experiência dolorosa de entrega e rendição que transformou a vida de ambos. Naquele lugar, o Senhor provera um cordeiro para o sacrifício em lugar de Isaque no último segundo; uma imagem que marcaria o destino dos dois patriarcas de Israel. Nesse mesmo lugar, Jacó fora marcado também pelo sonho da escada sobrenatural, seguido de um encontro com Deus que mudaria seu destino. Assim, os três patriarcas de Israel — Abraão, Isaque e Jacó — tiveram suas vidas tocadas de modo contundente. Aquele era “o lugar”.

Por essa razão, Jacó faz um voto a Deus. Se voltasse em segurança de sua longa jornada, a pedra que estabelecera por coluna seria a “casa de Deus”. E assim foi. Séculos mais tarde, foram lançadas as pedras fundamentais do primeiro e do segundo Templos exatamente naquele local. Ali era o lugar escolhido por Deus para pôr seu santo nome, conforme Deuteronômio 12. Ainda hoje, ele é conhecido como Hamakom (o lugar).

Esses e outros acontecimentos na Torá bem como nas demais Escrituras mostram a centralidade e a relevância de Jerusalém para o judaísmo, assim como para o cristianismo. Yeshua testificou que ela é a “cidade do Grande Rei”, fazendo menção às palavras de Davi no Salmo 48. Sobre ela também chorou ao prever sua destruição pelos romanos e sua possessão por povos gentios e pagãos. E prometeu para ela voltar, ocasião em que será recebido com a mesma saudação messiânica de sua primeira entrada triunfal logo antes de ser crucificado, e quando governará a Terra durante o milênio.

A despeito de convergir para si toda a geografia da Terra Santa, de ser a cidade do Messias e de conter em si o peso da santidade “do lugar”, ao enviar Jesus, o Pai tinha em mente algo maior e mais abrangente a fim de alcançar os povos do mundo inteiro.

A ESCADA DA VIDA

Logo no início de seu Evangelho, João narra o encontro de Yeshua com Natanael, um autêntico israelita, nas palavras do próprio Senhor. Ele se surpreende ao ouvir Yeshua dizer que o vira debaixo da figueira, pois claramente se tratava de uma revelação sobrenatural, uma vez que Yeshua não estivera consigo antes. Diante de sua reação, Yeshua lhe diz: “Na verdade, na verdade vos digo que daqui em diante vereis o céu aberto, e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem”. João 1:51

Essa declaração foi apreendida imediatamente por Natanael e Filipe, especialmente o primeiro que era “um autêntico israelita”. Eles conheciam a Torá desde meninos e sabiam muito bem que a declaração que acabavam de ouvir era uma referência direta ao sonho da escada de Jacó. Ali diante deles estava aquele que era maior do que Jacó. Na verdade, estava aquele que, de dentro do sonho, falou a Jacó do topo da escada. Agora Ele havia descido do alto para encarnar na forma de homem e tocar a Terra. Embora estivesse aqui, assumindo a frágil forma humana, mantinha sua natureza divina e santa proveniente de cima.

O mesmo portal que Jacó vira no sonho “no lugar” santo onde os céus tocavam a Terra estava agora sobre o Filho do Homem. Não se tratava apenas do “lugar”, mas da Pessoa mais importante do universo, do Deus encarnado que, humilhando-se e descendo do topo de sua glória, decidira se encontrar com os homens, viver com eles e morrer por eles, ensinando-lhes todas as coisas a respeito do Reino do Céu. Por esse portal que se abria por onde quer que pisasse o Filho do Homem, os anjos de Deus continuariam subindo e descendo para servi-lo e cumprir suas ordens todos os dias, horas e minutos de sua vida terrena, mediante o poder do Espírito Santo que habitou em sua plenitude no Messias.

Certamente, esses mesmos anjos vistos por Jacó estiveram em plena atividade durante os milagres de Jesus, cooperando com seu ministério e cumprindo a vontade do Pai. Por isso, como disse a Natanael, sobre Ele estavam os céus abertos, o acesso ao sobrenatural ao alcance de todos, seguindo o Filho do Homem aonde quer que fosse.

Jesus também declarou ser o caminho, a verdade e a vida e que ninguém pode chegar ao Pai que não seja por seu intermédio (Jo. 14:6). Assim como o Pai estabeleceu “o lugar” em Jerusalém, em Yeshua, Ele estabeleceu “o caminho”. Ao ouvirem-no pronunciar essas palavras, Natanael e os demais discípulos certamente se lembraram do sonho de Jacó e compreenderam que Yeshua era a própria escada de acesso ao céu. Ele viera não somente para os judeus, mas por toda a humanidade. E todo aquele que nele crer, independente de raça, povo, religião ou língua, tem a vida eterna (Jo. 3:16).

“E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra, como as que estão nos céus.” Colossenses 1:20 Por intermédio de Yeshua, o Pai reconciliou consigo todos os que estavam longe e dispersos, tornando-nos um só corpo no Messias. Ele é o Mediador entre Deus e os homens, o caminho, a verdade e a vida. Ele é a porta de entrada para a eternidade celestial e a escada de Jacó que conecta os céus à Terra, por onde fluem os anjos de Deus, ligando o Pai ao DNA de toda sua maravilhosa criação.


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