Shemitá — o Ano Sabático do Senhor

Shemitá — o Ano Sabático do Senhor

12 de Janeiro, 2022 10 Por Getúlio Cidade

Neste primeiro artigo de 2022, gostaria de tratar de um assunto bem relevante no contexto das raízes judaicas, porém, ainda muito desconhecido e pouco abordado. Veremos por que é importante conhecer esse tema, pois a shemitá — o ano sabático do Senhor — diz respeito não apenas ao descanso da terra de Israel, mas reveste-se de cunho profético e é um sinal demarcador dos tempos do fim.

Ao entregar a Torá a Moisés, Deus deu instruções específicas em relação à terra em que viveriam os israelitas. Uma delas trata da shemitá, o ano sabático do Senhor:

Então disse o Senhor a Moisés no monte Sinai: “Diga o seguinte aos israelitas: Quando vocês entrarem na terra que lhes dou, a própria terra guardará um sábado para o Senhor. Durante seis anos semeiem as suas lavouras, aparem as suas vinhas e façam a colheita de suas plantações. Mas no sétimo ano a terra terá um sábado de descanso, um sábado dedicado ao Senhor. Não semeiem as suas lavouras, nem aparem as suas vinhas”. Levítico 25:1-4

A palavra shemitá (שמטה) significa remissão ou liberação, pois a terra fica liberada de seu uso por um ano, descansando seu solo arável e se preparando para mais seis anos de cultivo. A esse ano sabático também é comum ouvir a referência shvi’it (שביעית) que quer dizer sétimo em hebraico. Assim como o shabbat encerra os sete dias da semana com o dia de descanso, alinhado com ele, está o ano de shemitá que encerra o ciclo agricultável de sete anos de Israel como sendo o ano de descanso da terra.

Ao receber esse mandamento, seria natural que o povo perguntasse como sobreviveriam durante a shemitá, o ano sabático. O Senhor se antecipa a essa pergunta e responde:

Vocês poderão perguntar: “Que iremos comer no sétimo ano, se não plantarmos nem fizermos a colheita?” Saibam que eu lhes enviarei a minha bênção no sexto ano, e a terra produzirá o suficiente para três anos. Quando vocês estiverem plantando no oitavo ano, comerão ainda da colheita anterior e dela continuarão a comer até a colheita do nono ano. Levítico 25:20-22

Como em grande parte dos mandamentos, a shemitá também reflete o lado da misericórdia divina. Durante o descanso sabático da terra, os pobres e os animais do campo podiam se alimentar do que dela sobrasse (Êxodo 23:10-11). Do mesmo modo, as dívidas também eram perdoadas em um ano de shemitá, fazendo jus ao significado de liberação, remissão. Liberar perdão sobre a dívida de um irmão era mandatório. Era uma oportunidade de se praticar a bondade e a generosidade, em especial, para com os pobres da terra (Dt. 15: 1-11).    

A sacralidade da shemitá é tal que seu não cumprimento foi a principal causa do exílio babilônico. Na Torá, Deus adverte espalhar o povo entre as nações para permitir que a terra descanse todos os anos sabáticos que deveria ter descansado, mas não o fez devido à rebeldia de Israel (Lv. 26:34-35). Desprezar a shemitá foi uma afronta a Deus e os israelitas deixaram de cumprir isso por cerca de setenta vezes, desde a entrada na Terra Prometida. Sabemos disso porque o tempo de duração do exílio foi de setenta anos, período este em que “a terra desfrutou os seus descansos sabáticos; descansou durante todo o tempo de sua desolação, até que os setenta anos se completaram”. 2 Crônicas 36:21

O ANO SABÁTICO NOS DIAS MODERNOS

Embora o mandamento concernente à shemitá não seja observado integralmente por todos os israelenses atualmente, ainda o é por boa parte da indústria agrícola do país, composta de judeus ortodoxos. Para tornar viável o descanso da terra, algumas regras são seguidas por seus praticantes. A lei judaica proíbe que se lavre o solo, que se faça plantio, colheita ou poda, embora permita que se regue, fertilize e se efetue a limpeza de mato e ervas daninhas.

Tudo o que cresce por si só durante o ano sabático pode ser consumido pelo fazendeiro e sua família, colhido por pessoas pobres e comido por animais. Uvas e outras frutas podem ser colhidas, mas não vendidas. Atenção especial deve ser dado a isso porque o produto da terra em uma shemitá é considerado sagrado e, portanto, não deve ser desperdiçado nem jogado fora, mas consumido por quem o colhe.

A tecnologia moderna permite que se cultive frutas, legumes e vegetais em contêineres dentro de estufas ou em água (agricultura hidropônica), o que ameniza a ausência do solo para cultivo. Com as condições de preservação atuais, também pode-se utilizar da colheita do ano anterior para consumo em um ano de shemitá. Outra opção bem empregada é a importação. Agora, por exemplo, encontramo-nos em um ano de shemitá que se iniciou dia 7 de setembro de 2021, em Rosh HaShanah, e terminará no próximo Rosh HaShanah (26 de setembro de 2022). Durante esse período, o governo de Israel priorizou a importação agrícola da vizinha Jordânia.  

Os fazendeiros adeptos da shemitá atestam que a observância do ano sabático permite que a terra se reestabeleça e se revigore, renovando os nutrientes do solo para os próximos seis anos de uso, melhorando a qualidade das colheitas. Entretanto, mais que um ano de repouso, o mandamento da shemitá leva o povo judeu a refletir que a terra pertence a Deus e não a eles, conforme diz o próprio Senhor. “A terra não poderá ser vendida definitivamente, porque ela é minha, e vocês são apenas estrangeiros e imigrantes.” Levítico 25:23

SHEMITÁ E O CALENDÁRIO DE DEUS

Assim como o shabbat, a shemitá é um tempo especial para o Altíssimo, pois foi designado diretamente por Ele. Para se compreender acontecimentos passados, o tempo presente e futuro, como predito nas profecias bíblicas, precisamos conhecer essa divisão temporal estabelecida por Deus e dada a Israel. Tais marcos temporais são imprescindíveis para compreendermos também o fim dos dias, conforme veremos mais adiante.

O Ocidente e, de modo geral, a igreja cristã segue o calendário gregoriano que é referenciado no sol e de base dez, dividido por décadas, séculos e milênios. Assim se movem os tempos das nações gentias. O calendário de Israel é referenciado na lua e de base sete, pois cada fase da lua dura em torno de sete dias e, a partir daí, definem-se os meses. Os ciclos de tempo dado por Deus se baseiam no número sete e todos são marcados por festividades.

O ciclo semanal se encerra no shabbat, o sétimo dia da semana, que é celebrado há milênios por Israel após o pôr-do-sol de sexta-feira em cada lar até o dia de hoje. O início do mês se dá no primeiro dia da lua nova (Rosh Hodesh) e nos tempos bíblicos era marcado por uma celebração. O ciclo anual é marcado por sete Festas estabelecidas pela Torá ao longo do ano. A cada sete anos, encerra-se um ciclo completo de shemitá com o ano sabático. E, após sete ciclos de shemitá, 49 anos (múltiplo de sete), ocorre o Jubileu no ano subsequente.

Assim, precisamos entender que Deus se move pelo seu calendário e suas estações, aos quais deu a Israel, e não em relação ao calendário dos gentios. Esse é um dos motivos, mas não o único, que revela a importância de se conhecer as Festas do Senhor, pois nelas adquirimos uma melhor compreensão do plano de redenção para a humanidade e para Israel, uma vez que todas as sete Festas apontam para o Messias.     

SHEMITÁ E O FIM DOS DIAS

Há uma conexão entre shemitá e juízo divino. Historicamente, isso ocorreu muitas vezes e continua a ocorrer na Idade Contemporânea, envolvendo não apenas Israel, mas as nações. Vemos também que o não cumprimento do ano sabático por Israel foi a principal causa dos setenta anos de exílio babilônico. Perceba que o juízo veio somente após setenta shemitás não observadas, ou seja, setenta períodos de sete anos, nem um ciclo a mais, nem um a menos.

Sete é o número da perfeição nas Escrituras e, por isso, um número muito especial. Ele aparece exaustivamente no livro de Apocalipse que trata dos juízos divinos em relação aos tempos do fim. Por ser perfeito, é um número ligado a Deus, bem como a seus propósitos e desígnios.

Daniel, um dos profetas do exílio, estudou o livro de Jeremias e compreendeu que o castigo de Deus para com Israel seria de setenta anos. Por certo que conhecia a Torá e o aviso de Deus da desobediência em relação à shemitá. Por isso, ele afirma que “entendeu pelos livros” que o exílio e, por conseguinte, a desolação de Jerusalém, seria de setenta anos (Dn 9:2 e Dt. 26:34-35). A partir desse entendimento do mistério do juízo divino ligado à shemitá, ele clama a Deus em oração por seu povo e é recompensado ao receber a visita de Gabriel com a revelação dos tempos do fim.

Nesse contexto, o anjo lhe diz que há setenta semanas desde a ordem para reedificar Jerusalém até a manifestação do Messias. Trata-se de semanas de anos e não de dias (Lv. 25:8). Portanto, mais uma vez o número setenta aparece no livro de Daniel. Dessas setenta semanas de anos, 69 já se cumpriram e os cálculos coincidem com a primeira vinda do Messias. Resta, portanto, uma semana de anos ou sete anos. São os anos marcados pelo governo do anticristo que precederá a segunda vinda do Messias. Tal semana se refere à Grande Tribulação aludida por Jesus nos Evangelhos (Dn 12:1 e Mt. 24:15-28).

As setenta semanas de Daniel apontam para dez shemitás, sendo que nove delas precederam a primeira aparição do Messias, restando apenas uma shemitá que precederá sua segunda vinda. A questão é quando ocorrerá tal shemitá. Assim, a última semana de Daniel corresponde a um ciclo completo de shemitá. Esse é o contexto judaico em que o profeta recebeu a revelação e o contexto em que escreveu seu livro. Daniel era judeu, bem como todos os profetas e apóstolos de Yeshua, sem mencionar Ele próprio. Não há como interpretar corretamente as Escrituras que não seja pela perspectiva judaica em que foram escritas. Daí a importância de se compreender as raízes judaicas do cristianismo.

Embora não saibamos o dia nem a hora da volta do Filho do Homem, Ele nos advertiu que precisamos saber interpretar os sinais dos tempos que incluem sinais nos céus e na Terra. Sabendo do mistério da shemitá a respeito dos juízos divinos, fica nítido que a última semana de Daniel ou a Grande Tribulação somente pode começar no início de um novo ciclo de shemitá. Como dito acima, estamos em um ano sabático que se encerra no próximo Rosh HaShanah (setembro/2022). Então, se iniciará um novo ciclo de shemitá que se estenderá até 2029. Portanto, se a Grande Tribulação não se iniciar a partir de setembro deste ano, ela não ocorrerá até pelo menos 2029. Se não se iniciar em 2029, não ocorrerá até pelo menos 2036. E assim por diante. Ela não poderá se iniciar em um ano aleatório, caso contrário, Deus não seguiria seu próprio calendário, seus tempos e suas estações, como vem fazendo ao longo das eras.

Ao olharmos para as Festas do Senhor, vemos o mesmo padrão temporal seguido na primeira vinda do Messias, durante as Festas da Primavera, conforme demonstrado no livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo. Espera-se que o mesmo padrão seja seguido nas Festas do Outono, quando ocorrer a segunda vinda do Messias. Com a última semana de Daniel (Grande Tribulação) não poderá ser diferente, pois não lidamos com um Deus que age aleatoriamente, mas que tem seguido perfeitamente seus desígnios, de acordo com os tempos e estações que estabeleceu por sua infinita sabedoria.

Este mundo, de desordem, maldade e crescente caos conforme o conhecemos se encaminha para um fim. Os sinais estão claros até para o mais incrédulo dos homens. Porém, precisamos saber interpretá-los. E a shemitá é um dos sinais mais importantes que antecederá a tão esperada manifestação do Messias para estabelecer seu Reino de paz e justiça sobre a Terra.

Referências:

Shmita Project – Disponível em: Overview – Hazon

Shmita (jewishvirtuallibrary.org)


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A Morte da Rainha e a Shemitá

As Setenta Semanas de Daniel

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