Celebrando a Páscoa sem Fermento

Celebrando a Páscoa sem Fermento

1 de Abril, 2023 4 Por Getúlio Cidade

Estamos no glorioso mês de Nisan, o tempo de nossa liberdade, nos preparativos para mais uma Festa de Pesach, uma das mais celebradas do calendário judaico. Quem acompanha nossos artigos sabe que publicamos sempre um tema diferente em cada período das Festas do Senhor, relacionado à Festa em curso. O assunto raízes judaicas do cristianismo é tão extenso e tão profundo que, devidamente explorado, é praticamente inesgotável. Como uma fonte de água que jorra indefinidamente, assim é a Palavra de Deus. Quando buscada e revelada, em qualquer tempo, tem o poder de nos fornecer água fresca e saciar nossa sede. Assim sendo, neste Pesach, conheceremos o pão asmo e a necessidade de estarmos celebrando a Páscoa sem fermento.

Antes, porém, gostaria de abrir um parêntesis para fazer um importante registro. Nosso blog completou dois anos recentemente, tendo sido criado na época de Purim. E logo após a Festa de Purim passada, ultrapassamos a marca de cem mil acessos ao site. Logicamente, a maioria desses acessos provém do Brasil. Porém, após a instalação de um tradutor automático para diversas línguas, nosso alcance se multiplicou sobremaneira e recentemente ultrapassamos também a marca de cem países que têm acessado nosso conteúdo, incluindo judeus e árabes. Por isso, nessa época tão especial de Pesach, gostaria de agradecer a Deus que me tem inspirado e guiado nessa jornada de levar esse assunto tão relevante ao corpo do Messias espalhado pela Terra, literalmente a muitas nações. E quero agradecer a todos nossos leitores do blog e dos livros de A Oliveira Natural, bem como pelo apoio, comentários e testemunhos recebidos nas muitas mensagens e e-mails. Kol HaKavod l’Adonai! – A Deus toda a glória!

Voltando à Festa, a primeira das perguntas feitas na leitura do Hagadah de Pesach é: “Por que esta noite é diferente das outras noites?”. A resposta consiste em uma longa narrativa e possui caráter educativo, especialmente para as crianças. Ela abrange toda a história do Êxodo, contada com detalhes e com forte simbolismo dos alimentos à mesa, dispostos individualmente no prato de cada um. Um desses alimentos é o pão asmo (matzah), feito sem fermento ou levedo. Durante os dias de Pesach, a Torá proíbe o consumo de fermento de qualquer espécie. “Sete dias comereis pães asmos. Logo ao primeiro dia, tirareis o fermento das vossas casas, pois qualquer que comer coisa levedada, desde o primeiro dia até ao sétimo dia, essa pessoa será eliminada de Israel.” Êxodo 12:15

Como o fermento representa o pecado na Torá, ele devia estar ausente da Festa que aponta para a pureza do cordeiro pascoal, cujo sangue inocente seria derramado por cada família israelita no Egito para livrar os primogênitos da morte. O primeiro cálice a ser bebido no seder de Pesach é o da santificação. Ao tomá-lo, Israel se lembra das palavras de Deus em Êxodo 6, quando disse a seu povo que seria separado dos demais povos da Terra para servi-lo. De modo algum, esse cálice nem os demais, assim como o cordeiro pascoal, poderiam ser acompanhados de algo que contivesse fermento, o símbolo bíblico do pecado. “Não sacrificarás o sangue do meu sacrifício com pão levedado” Êxodo 34:25. Esta ordenança por si só coloca Pesach como uma Festa especial, em um nível diferente das demais Festas do Senhor.

SACRIFICANDO OS ÍDOLOS

Desde que Israel era escravo no Egito, a potência mundial da época, o símbolo astrológico do mês de Nisan já era Áries, representado por um carneiro, que representava poder, força e riqueza. Assim, o carneiro era um animal venerado como deus pelos egípcios. Exatamente por conter essa simbologia, os sábios judeus interpretam o contido em Êxodo 12:21 — em que cada família deveria tomar um cordeiro para sacrificá-lo como páscoa — como sendo uma ordem para que Israel se retirasse das práticas idólatras dos egípcios. Ou seja, aquilo que era valioso e venerado por eles deveria ser desprezado e sacrificado pelos filhos de Israel.

Isso é fundamental para que se esteja santificado a fim de servir ao único Deus. Ele continua exigindo o mesmo hoje daqueles que decidem segui-lo. É impossível servir a Deus e a ídolos, sejam eles quais forem: ego, pessoas comuns ou celebridades, trabalho, dinheiro, fama, prestígio e assim por diante. Quando somos retirados pelo braço forte do Senhor do Egito — uma figura da vida pecaminosa pregressa —, Ele requer total separação e devoção exclusiva. Todo ídolo que ocupe o altar do coração de alguém que se rende a Deus deve ser sacrificado. Aquilo que é valioso para o mundo é desprezado por Deus. Por isso, somos instados a não amar o mundo nem o que nele há (1João 2:15).

Assim, o que era adorado pelos egípcios devia ser odiado pelos israelitas. Não significa que o poder e a riqueza em si, representados pelo símbolo de Áries, deviam ser odiados. Não há nada errado em ter poder e riquezas. O problema é o que o poder e as riquezas normalmente geram no coração do homem que os possui: um sentimento de orgulho e arrogância, o que nos remete ao conceito do fermento em Pesach.

OS AGENTES DA FERMENTAÇÃO

O orgulho e a arrogância são os agentes que causam a fermentação. O fermento é conhecido por hametz na Torá e é formado por três letras. O asmo (matzah) é formado por duas das mesmas letras e difere do hametz em apenas uma letra. No hametz, tem-se o ח; no matzah, tem-se o ה. As duas letras são bem parecidas, mas se tornam distintas por um minúsculo traço. Essa diferença só pode ser constatada no hebraico e é profética. Algo aparentemente insignificante é o que diferencia o santo do profano. O orgulho no coração do homem, por mais imperceptível que seja, tem o poder de profanar tudo o que for sagrado.

O hametz representa a inclinação para o mal, o orgulho oculto no coração que leva à soberba e, por sua vez, à ruína. O hametz é mais saboroso e faz a massa se tornar bem mais inflada, e de aparência mais agradável que o matzah. Assim é a aparência do mal e das coisas carnais, justamente aquilo que é valorizado pelos homens e desprezado por Deus. Do mesmo modo, o orgulho dilata o ego e faz o homem parecer mais inflado, maior do que realmente é.

O hametz na alma é o que a Bíblia chama de engano do coração ou engano do orgulho, ou ainda engano da soberba, como diz Obadias: “A soberba do teu coração te enganou” (1:3). Este orgulho é odiado por Deus e é abominação a seus olhos. Não faltam exemplos nas Escrituras a respeito. Yeshua ensina que é no coração do homem que se originam todos os pecados e podemos dizer, de modo geral, que nascem do orgulho e da arrogância. Esse fermento interior e invisível aos olhos, porém, pode estragar toda a massa, conforme disse Paulo (Gl. 5:9).

Os sábios ensinam que Israel, ao sair do Egito, teve de fazer asmos não apenas porque era de rápido cozimento, mas para se livrar simbolicamente do orgulho que era o fermento que inflava o ego dos egípcios. Esse sentimento de superioridade e arrogância estava infestado por toda a sociedade egípcia que tinha prazer em oprimir não apenas os escravos israelitas, mas todos os que estivessem abaixo deles no estrato social. Pode-se ver esse sentimento de extrema arrogância nas palavras de faraó: “Quem é o Eterno para que eu lhe obedeça?” (Êx. 5:2). Apenas alguém completamente cegado pelo orgulho poderia proferir palavras desse tipo.

Os sábios também estabeleceram que o tempo necessário para a ocorrência do processo de fermentação é de dezoito minutos após a adição de água à farinha. Isso significa que se a mistura não for mexida durante os primeiros dezoito minutos, ela se tornará hametz. Esse tempo é respeitado ainda hoje pelos que confeccionam os asmos para Pesach (matzot l’Pesach). É comum, então, que a massa seja batida ou amassada para que se retarde o processo de fermentação.

Confecção de matzot na época do Templo (Ilustração: The Temple Institute)

A primeira vez que estudei esse assunto, fui imediatamente invadido por um pensamento que iluminou sobremaneira meu entendimento espiritual. A massa dos asmos representa os filhos de Deus e Ele próprio é quem a mexe e a modela. Podemos dizer que Ele é o Sumo Rabino que supervisiona a confecção kosher dos matzot, agindo devidamente para impedir que a massa seja contaminada pelo hametz. Ele faz isso mexendo a massa e batendo nela, sacudindo-nos durante as tribulações, tal qual fez com o barco dos discípulos, chacoalhando-o em meio às ondas no caminho da tempestade. Ele permite que passemos por lutas e provas para nos humilhar e nos manter nas veredas da justiça, impedindo que o orgulho e a soberba contaminem nosso coração e fermente nossa alma por inteiro, afastando-nos dele. Isso explica também por que “muitas são as aflições do justo, mas o Senhor o livra de todas” Salmos 34:19.  

A BUSCA PELO FERMENTO

É importante ressaltar que o fermento não deveria estar presente em nenhuma das ofertas de cereais, conforme Levítico. Isso faz sentido uma vez que nada oferecido a Deus podia conter impureza ou imperfeição — no caso de oferta animal — e o fermento aponta para o pecado. Outra característica desse tipo de oferta é que ela tinha de ser partida em pedaços antes de ser apresentada ao sacerdote. A oferta partida fala de um coração quebrantado e humilhado. Isso é exatamente o oposto do fermento, símbolo de um coração orgulhoso. Deus não aceita ofertas de um coração assim, ao contrário, Ele o resiste. Apenas um coração humilde e quebrantado é capaz de obter seu favor. Sua oferta é aceita imediatamente e sobe como incenso “de cheiro suave ao Senhor” (Lv. 2:9).

A Torá determina que, no dia 14 de Nisan, primeiro dia da Páscoa ou também conhecido como dia da preparação, todo fermento deveria ser removido de casa, de modo que, no momento do sacrifício do cordeiro pascoal, não houvesse nenhum fermento nas casas. Isso deu origem ao processo chamado de Bedikat Hametz, realizado ainda hoje nos lares religiosos e que consiste numa busca minuciosa por qualquer grão de fermento dentro de casa. Na prática, essa busca se inicia semanas antes de Pesach a fim de cumprir os mandamentos de “não se encontrar” e de “não ser visto” nenhum fermento, conforme Êxodo 12:19 e 13:7. O pecado não deve estar oculto e abrigado no coração (não ser encontrado), nem contemplado pelos olhos e pensamentos (não ser visto).

A busca pelo hametz pode levar dias e deve ser feita minuciosamente para que não haja nenhum fermento na casa no início de Pesach (Ilustração: The Temple Institute)

A busca pelo fermento deve ocorrer continuamente em nossas vidas, sempre precedida de uma atitude de humilhação perante Deus. E, após cada busca, não se pode cair no perigo do orgulho e dizer que não há mais vestígio de impureza dentro de si. Pois, como diz o Pregador, “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque”. Eclesiastes 7:20 Sempre haverá algo para confessar e para se quebrantar diante de Deus, seja por palavras e atos errôneos, ou por pensamentos torpes. Somente com essa postura estamos aptos a participar da mesa do Senhor, seja no seder de Pesach, seja na comunhão diária com o Espírito Santo.

Na primeira carta aos coríntios, Paulo fala abertamente sobre a participação de cristãos gentios na Festa de Pesach e os estimula a tomar parte dela com o coração puro, após individualmente realizarem Bedikat Hametz ou a busca pelo fermento interior. “Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado. Por isso, celebremos a festa não com o velho fermento, nem com o fermento da maldade e da malícia, e sim com os asmos da sinceridade e da verdade.” 1 Coríntios 5:7,8

Que assim seja em cada lar e cada coração que se aproximar do Altíssimo nessa época tão especial para celebrar uma Páscoa sem fermento.

HAG PESACH SAMEACH!

FELIZ PÁSCOA!


Leia também:

A Páscoa e o Tempo de Nossa Liberdade

A Páscoa e a Figura do Cordeiro

A Páscoa e os Quatro Cálices do Seder

Temos um devocional com a leitura sugerida da Parashá, Haftará e Brit Hadashá (porções da Torá, Profetas e Novo Testamento) para cada dia da Festa. Veja em: Leitura e Meditação para a Páscoa – Parte 1 e Parte 2. Considerar dia 5 de abril de 2023 a véspera de Páscoa (Erev Pesach – 14 de Nisan), dia 6 de abril como dia 1 e, assim por diante, até o dia 7 que é 12 de abril de 2023.

Explore com profundidade as Festas do Senhor e conheça mais sobre nossas raízes. Leia o livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo.

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