Teshuvá: Tempo de Arrependimento

Teshuvá: Tempo de Arrependimento

28 de Agosto, 2021 8 Por Getúlio Cidade

Prosseguimos em pleno mês de Elul (agosto/setembro), a alguns dias do início do novo ano civil de Israel, em Rosh HaShana. Como dito no último artigo, quando tratamos de Jonas e do avivamento que levou à cidade de Nínive (clique aqui para ler), esse é um mês especial, pois há um chamado diário para que todos se arrependam de suas más obras e se voltem para o Senhor. Em hebraico, a palavra que bem resume todo esse período é teshuvá: tempo de arrependimento. Vamos prosseguir nesse tema tão importante que diz respeito à manifestação do Reino dos céus sobre a Terra. 

Os trinta dias do mês de Elul são marcados por atos de contrição e arrependimento. O toque do shofar (chifre de carneiro) é a marca registrada desse mês, pois é tocado a cada manhã, no chamado à oração com foco no arrependimento. Mas arrependimento de quê? Dos pecados que todos cometemos, das más obras, da corrupção da carne, enfim, de tudo que é contrário aos mandamentos e afasta o homem de Deus. Logicamente, essa é uma atitude que deve ser uma constante na vida de qualquer cristão. No judaísmo também, porém, a ênfase é dada em cima do último mês do calendário civil, um tempo de preparação a fim de iniciar o novo ano sem pendências, seja perante Deus, seja perante o próximo.

UM INSTRUMENTO PROFÉTICO

O shofar é um instrumento muito mencionado nas Escrituras, tanto no Velho quanto no Novo Testamento, normalmente traduzido por buzina ou trombeta (não deve ser confundido com as trombetas de prata de Números 10). É um instrumento profético porque representa a voz de Deus. Sua primeira aparição está no livro de Êxodo, quando a espessa nuvem encobriu o Sinai e o Senhor desceu sobre Ele e falou com Moisés, ocasião em que todo o povo estremeceu ao ouvir o crescente som do shofar (Êxodo 19:16-19).

O toque do shofar era empregado de diversas maneiras, cada uma delas com um significado. Era usado para anunciar a lua nova, que marca o início dos meses, em especial a Festa de Rosh HaShanah (Salmo 81:3-4), bem como o ano do Jubileu (Levítico 25:9). Era usado para reunir o povo e marchar, assim como soar algum alarme de aviso ou de perigo como em Joel 2:1 ou Amós 3:6. É também um instrumento de guerra, convocando o povo à batalha, como ocorreu com Josué em Jericó, cujo toque dos vários shofarot precederam a queda das muralhas. Também foi empregado na vitória contra os midianitas, conduzida por Gideão e seu pequeno exército de trezentos homens.

Além de instrumento de guerra, era também um instrumento de louvor e adoração. Vemos o shofar sendo empregado na procissão chefiada por Davi que levou a arca para Jerusalém, “com júbilo e ao som de trombeta (shofar)” (2Samuel 6:15). Vemos também esse instrumento inserido na adoração cotidiana do Tabernáculo de Davi bem como no Templo de Salomão, conforme declara o último dos salmos: “Louvai-o com o som de trombeta (shofar)” Salmos 150:3.

O shofar também era usado na coroação dos reis, como ocorreu com Salomão em 1Reis 1. A tradição rabínica afirma que a vinda do Messias ocorrerá em meio ao toque do shofar, baseado em Isaías 27:13.[1] Isso é confirmado pelo apóstolo Paulo, ao dizer que “o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta (shofar) de Deus 1 Tessalonicenses 4:16. No livro de Apocalipse, o shofar aparece diversas vezes, sempre em momentos importantes e decisivos relacionados aos tempos do fim.

Em face desses exemplos, percebe-se o vital papel do shofar por todas as Escrituras. Sua função durante todas as manhãs de Elul não é menos importante. É como se fosse a própria voz de Deus em um chamado ao arrependimento, um ato de reflexão sobre as obras praticadas, confissão dos erros e pecados, a fim de que os corações se convertam completamente ao Senhor. Ao se ouvir o toque do shofar, estamos ouvindo o próprio Senhor nos chamando a fazer uma mudança de rumo em sua direção. E esse é o âmago de teshuvá.

MUITAS PALAVRAS, UM SÓ SENTIDO

No hebraico moderno, o substantivo תשובה (teshuvá) significa resposta, solução para um problema e, em um contexto espiritual, arrependimento. Possui a mesma raiz do verbo לשוב (lashuv) que significa voltar, retornar, refazer. Há outras palavras dessa mesma raiz com outros significados como, por exemplo, שיבה (shivah) que significa regresso ao lar ou à pátria, e o advérbio שוב (shuv) que significa novamente. Assim, mesmo sem examinarmos a palavra teshuvá no hebraico bíblico, vê-se sua profunda acepção quando a ouvimos com ouvidos espirituais.

Arrepender-se é fazer a volta, retornar à casa, ao lar de onde se saiu, refazer o caminho original. Teshuvá é resposta, ou a resposta. É a solução para o problema de quem se perdeu pelo caminho ou se desviou dele. Arrependimento é a resposta. Somente quando há arrependimento, reconhece-se que é necessário se voltar para Deus com um coração humilhado e quebrantado a fim de retomar a comunhão com Ele. Tal atitude é seguida de mudança e renovação de mente, a fim de não se pecar mais. Uma mente renovada não voltará a cometer os mesmos erros.   

No hebraico bíblico, a raiz ש-ו-ב ocorre por todas as Escrituras. Apenas no Velho Testamento, são mais de mil aparições com inúmeros significados. Além de voltar e retornar, a concordância de Strong enumera diversos significados para essa raiz como chamar à mente no sentido de falar à consciência, considerar, voltar à casa, converter-se, reverter, relembrar, restaurar, restituir, render, etc.[2] Basta abrir os ouvidos espirituais e concluiremos que cada uma dessas nuances de significado acrescenta e enriquece um pouco mais ao substantivo teshuvá. Assim, são muitas palavras para uma só raiz, mas que apontam para um só sentido: retorno.   

“ARREPENDAM-SE E VIVAM!”

O arrependimento é esse retorno e a condição essencial para a manifestação do Reino de Deus sobre a Terra. Isso é uma tônica na Torá, nos livros históricos, poéticos e dos profetas do Velho Testamento, bem como no Novo Testamento. A palavra teshuvá se encontra logo no início do Novo Testamento na mensagem de João Batista, o precursor do Messias. Sua mensagem para Israel era: “Arrependei-vos (ש-ו-ב) porque é chegado o reino dos céus” Mateus 3:2. Em seguida, ele exorta: “Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento (teshuvá)” Mateus 3:8. Quando Yeshua inicia seu ministério, Ele parte desse ponto, pregando exatamente a mesma mensagem de João (Mateus 4:17). Sem esse ato de contrição, não há como experimentar o Reino dos céus.

Um ótimo exemplo de teshuvá se encontra na parábola do Filho Pródigo. Ao reconhecer seu pecado, ele decide voltar para a casa do pai, humilhar-se e confessar-se a ele. Ao vê-lo, “o filho lhe diz: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho” Lucas 15:21. Esse ato de reconhecer o erro, voltar para casa (literalmente), ao ponto onde iniciou sua queda, humilhar-se e confessar-se perfaz o ciclo completo da teshuvá. O favor de Deus é inevitável para quem faz teshuvá, pois “a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus” Salmos 51:17. Estas foram as palavras de Davi ao fazer teshuvá de seu pecado no caso de Bat-Sheva.

Outro caso de teshuvá ocorrido no ministério de Yeshua foi com Zaqueu, o cobrador de impostos que encontra o Senhor e se arrepende de seus roubos e ilícitos cometidos em proveito próprio. Ele promete doar aos pobres metade de seus bens e restituir quatro vezes mais a quem enganou (Lucas 19:8). Restituir é um dos sinônimos para teshuvá. Não basta apenas se arrepender perante Deus; é preciso restituir à pessoa que sofreu o dano; é necessário que se repare os erros cometidos, seja quem for a parte ofendida. Do contrário, a teshuvá não terá sido completa.

Voltando à postagem anterior sobre o profeta Jonas, ao ouvir a ordem do Senhor de ir a Nínive, ele toma a direção oposta e resolve ir para Társis, “para longe da presença do Senhor” (Jonas 1:3). Ele faz o oposto a teshuvá, literal e espiritualmente. Toda a vez que o homem se afasta de Deus, seu caminho não terminará bem. No caso do Filho Pródigo, seu afastamento o levou à miséria completa. No caso de Jonas, levou a si e os que estavam consigo naquele barco a uma tempestade devastadora.

Ao lançá-lo para fora do barco, os marinheiros não sabiam que estavam permitindo a Jonas fazer teshuvá. E ele a fez quando foi engolido pelo grande peixe (Jonas 2). Embora nada ortodoxa, o peixe foi a maneira misericordiosa que Deus encontrou para trazer Jonas de volta. Quantos hoje precisam chegar ao ponto extremo que chegou o Filho Pródigo ou que chegou Jonas para se arrepender e fazer o caminho de volta a Deus? Como foi com esses dois, sempre haverá um caminho de volta, porém, quanto mais distante da casa do Pai, mais dolorosa será essa volta. Entretanto, o caminho existe e sempre estará disponível a qualquer um que deseje trilhá-lo. Yeshua é o caminho para teshuvá.

Na história de Jonas, após fazer teshuvá, vemos os próprios moradores de Nínive fazendo o mesmo. E descobrimos algo surpreendente nas palavras do rei ímpio da cidade ao exortar o povo a se arrepender e a se converter a Deus (no original, fazer teshuvá – Jonas 3:8). Ele proclama: “Quem sabe se voltará Deus, e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira, de sorte que não pereçamos?” Jonas 3:9. Os verbos “voltará” e “se arrependerá” são compostos pela mesma raiz de teshuvá (ש-ו-ב). Ou seja, quando o homem faz teshuvá, o próprio Deus também a faz, revertendo o juízo iminente decorrente do pecado.  

Foi exatamente isso que ocorreu com o povo de Nínive ao se “converter de seu mau caminho”, pois Deus se arrependeu do mal que tinha prometido trazer sobre a cidade (Jonas 3:10). A figura do pai do Filho Pródigo ilustra bem a imagem do Senhor ao ver um filho fazendo teshuvá. “Vinha ele ainda longe, quando seu pai o avistou, e, compadecido dele, correndo, o abraçou, e beijou” Lucas 15:20. Nós nos voltamos para Ele e Ele se volta apressadamente para nós. Ao escolher teshuvá, escolhemos o caminho da vida. Por isso, diz o Senhor: “Arrependam-se e vivam!” Ezequiel 18:32.


[1] Pirkei DeRabbi Eliezer 31.

[2] Concordância exaustiva de Strong, 7725.

Leia também:

Jonas e o Avivamento de Nínive

Lições de Quarenta Anos no Deserto

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