A Redenção pelo Sacrifício de Sangue

A Redenção pelo Sacrifício de Sangue

11 de Novembro, 2021 0 Por Getúlio Cidade

Os sacrifícios de sangue estão por toda a Bíblia e desempenham um papel vital no relacionamento entre o homem e Deus. Sem eles, desde a queda de Adão, teria sido impossível qualquer tipo de comunhão entre os dois até a manifestação do Messias, o segundo Adão, cujo sacrifício perfeito trouxe a reconciliação absoluta e definitiva. Compreender a redenção pelo sacrifício de sangue é de suma importância para se compreender o plano de salvação de Deus para a humanidade. 

O sangue é o elemento por onde corre a vida nos seres viventes. Não se trata de apenas um fluido orgânico do corpo, mas da própria vida em si. Quando se diz que alguém deu o sangue por alguma causa como, por exemplo, um soldado que é morto em combate, equivale a dizer que deu sua vida por completo, uma vez que sangue é sinônimo de vida. Essa correlação aparece logo no primeiro capítulo da Bíblia hebraica, no primeiro homem. O nome Adão (Adam) é proveniente de adamá (terra), elemento de onde foi criado, e a palavra dam (sangue) aparece claramente em seu nome.

Em Gênesis 3, ocorre a queda do homem. Para cobrir a nudez de Adão e Eva, o Senhor fez vestimentas de pele para os dois. Aqui ocorre o primeiro sacrifício de sangue. Um animal foi sacrificado para que sua pele pudesse cobrir o primeiro casal. A nudez representava a vergonha do pecado e, para que fosse tapada, algum animal teve de derramar seu sangue para prover tal vestimenta. Um animal inocente morreu para que Adão e Eva pudessem viver. Esse foi o modo substitutivo que, desde o início, foi estabelecido por Deus para encobrir o pecado do homem.

Em Levítico 17:11, aprendemos que “a vida da carne está no sangue” – nefesh habasar badam (נפש הבשר בדם). O sangue de um ser vivente contém a vida em si. Se o sangue for drenado de um corpo, a morte é imediata. Esse é o motivo pelo qual Deus proíbe que se beba sangue (v.12). Por outro lado, o pecado de um homem o conduz à morte, pois “a alma que pecar, essa morrerá”. Ezequiel 18:4

Lembremos que Adão era imortal antes de pecar. A única forma de um homem obter perdão divino era por meio de alguma vítima inocente (animal) derramando o sangue em seu lugar, embora isso não pudesse salvá-lo definitivamente. A redenção pelo sacrifício de sangue era a única forma de reconciliar o homem com Deus, ainda que temporariamente. O autor de Hebreus declara que sem derramamento de sangue não há redenção (Hb. 9:22). O sacrifício de sangue sempre teve seu caráter substitutivo.

OS SACRIFÍCIOS DE SANGUE E SEU SIMBOLISMO

Com a entrega da Torá no Sinai, Deus estabeleceu todas as ofertas de sacrifício necessárias para o homem se achegar a Deus. Os capítulos de 1 a 7 do livro de Levítico estabelecem cinco tipos de sacrifício, sendo o derramamento de sangue imperativo para os sacrifícios de expiação de pecados. São eles: holocausto, oferta de cereais, oferta pelo pecado, oferta pela culpa e ofertas pacíficas. Os sacrifícios de sangue tinham por função expiar os pecados, remir as vidas que os ofereciam no altar do sacrifício. A palavra para oferta é korban (קורבן) e possui a mesma raiz do verbo lekarev (לקרב) que significa aproximar. Logo, a oferta tem o propósito de aproximar o homem de Deus.

A própria disposição do Tabernáculo de Moisés apontava para esses sacrifícios. A primeira visão com que alguém se deparava, ao adentrar o pátio da congregação, era o altar do sacrifício, onde sempre havia algum animal sendo sacrificado, com seu sangue espargido nas pontas do altar. A visão do sangue derramado bem como seu odor forte e incômodo servia para mostrar que, para o homem se aproximar de Deus, algum animal tinha de pagar com sua vida. Era um lembrete contundente do alto preço da expiação dos pecados. A terceira cobertura que encobria o teto do santuário era constituída de peles de carneiro tintas de vermelho, uma clara alusão ao sangue dos animais que ali eram sacrificados.

Além do caráter temporário, esses sacrifícios de sangue só podiam expiar os pecados cometidos por ignorância, aqueles que se cometia sem estar plenamente ciente de que se estava infringindo algum mandamento. Para pecados graves como crimes de assassinato ou amaldiçoar pai e mãe, por exemplo, a penalidade era a morte (Êxodo 21). Não havia alternativa de expiação. Por isso, o autor de Hebreus afirma que “é impossível que o sangue dos touros e dos bodes tire os pecados”. Hebreus 10:4

Tais sacrifícios de sangue eram provisórios e simbólicos do supremo sacrifício que seria realizado por Yeshua no altar de Deus Pai. A respeito desse que é o sacrifício dos sacrifícios, Ele fala profeticamente de sua encarnação por intermédio de Davi no livro de Salmos. “Sacrifício e oferta não quiseste, mas um corpo me preparaste; de holocaustos e ofertas pelo pecado não te agradaste. Então eu disse: Aqui estou, no livro está escrito a meu respeito; vim para fazer a tua vontade, ó Deus”. Hebreus 10:5-7

Assim, todos os sacrifícios de sangue pelos quais pessoas eram perdoadas e se aproximavam de Deus eram necessários, porém, de valor limitado e apontavam para outro sacrifício, incomensuravelmente superior, capaz de expiar os pecados não apenas cometidos por ignorância, mas os praticados voluntariamente, além de ter validade eterna (Hb. 9:11-28). Esse sacrifício substitui os demais em temporariedade e alcance. Por isso, os contidos na Torá cessaram de uma vez por todas e não são mais necessários.

Curiosamente, os rabinos antigos sabiam que um dia todos os sacrifícios de sangue cessariam. “Na era messiânica, todos os sacrifícios cessarão, exceto o sacrifício de ações de graças que continuará para sempre”.[1] É interessante notar que ações de graças são o tipo de sacrifício contido por todo o Novo Testamento.   

Em 1Pedro1:2, é mencionada a aspersão do sangue de Jesus Cristo. Para compreender melhor essa expressão, precisamos ir às raízes judaicas do cristianismo. Pedro aqui faz referência direta ao livro de Êxodo. “E tomou o livro da aliança e o leu ao povo; e eles disseram: Tudo o que falou o Senhor faremos e obedeceremos. Então, tomou Moisés aquele sangue, e o aspergiu sobre o povo, e disse: Eis aqui o sangue da aliança que o Senhor fez convosco a respeito de todas estas palavras.” Êxodo 24:7,8

Aquele sangue fora derramado de novilhos sacrificados ao Senhor para selar a aliança entre Deus e o povo no Sinai, a fim de obedecerem aos mandamentos e as ordenanças da Torá. Foi um ato de juramento de sangue que marcou Israel como a nação da Torá. No supremo sacrifício de Yeshua, estabelece-se uma nova aliança, dessa vez selada com seu próprio sangue, o “precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem mancha e sem defeito”. 1 Pedro 1:19 Não possuir defeitos era condição para que um cordeiro pudesse ser oferecido nos sacrifícios diários do Tabernáculo e do Templo (Nm. 28:3,11). Por intermédio desse sangue, recebemos a redenção tão desejada e somos limpos de todos os pecados (Ef. 1:7 e 1Jo1:7).

O SACRIFÍCIO DE SANGUE ETERNO

O envio do Filho de Deus à Terra é parte de um plano muito antigo do Pai para salvar a humanidade, talvez o maior mistério do universo por toda a eternidade. Uma vez realizado, o sacrifício do Messias é capaz de expiar todos os pecados cometidos por todos os homens de todas as eras. Yeshua afirmou que Ele é “a vida” (Jo. 14:6). E é justamente por isso que seu sangue é o único que deve ser bebido, pois, por seu intermédio, alcança-se a vida plena. Assim como é uma ordenança não beber sangue de qualquer outro ser vivo (Lv. 17:11), beber o sangue do Filho de Deus é uma ordenança para se alcançar a vida eterna (Jo. 6:54-55 e 1Co 11:25).

Apocalipse 13:8 diz que Yeshua é o Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo. Deus em sua onisciência sabia que Adão — feito da terra e cuja matéria prima vital era o sangue — pecaria e precisaria de outro sangue. Este teria de ser puro e incorruptível, de uma vítima inocente para ser sacrificada em seu lugar, a fim de fazer expiação por sua vida. Portanto, antes mesmo da criação do universo, Ele provera esse sacrifício capaz de redimir Adão e toda sua raça, justificando todos os que cressem nesse ato de amor sacrificial, feito voluntariamente por seu próprio Filho.

Deus é atemporal e não está preso aos limites do tempo cronológico que nos abaliza e define nossa vivência nesse mundo. Ele enxerga passado, presente e futuro como um só. Assim, antes mesmo de criar o homem, Ele proveu o único sacrifício capaz de salvá-lo de seus pecados. A dor extrema desse holocausto foi sentida pelo Pai e pelo Filho antes mesmo que as estrelas fossem formadas e que as galáxias ocupassem o espaço sideral.

O ato de se derramar o elemento mais precioso do universo — o sangue puro e justo do próprio Deus — para expiar os pecados e resgatar a raça humana é de uma dimensão cósmica tão extraordinária que qualquer esforço de se compreendê-lo é inútil. Está muito além da capacidade de abstração da mente mais brilhante.

Sem esse sacrifício supremo, a vida em seu sentido mais amplo e eterno seria impossível para o homem, uma vez que tal vida reside exclusivamente no sangue do Filho de Deus. Foi essa percepção momentânea e transbordante de profunda revelação que tomou por inteiro o ser de João Batista, ao ver Yeshua vindo em sua direção para ser batizado. E o levou a exclamar: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” João 1:29.

Observe que o verbo tirar está no presente e não no futuro. Mesmo antes da crucificação, João teve um flash de discernimento do significado insondável desse sacrifício eterno. Talvez por ser, segundo as palavras do próprio Messias, “o maior dos nascidos de mulher”, João Batista foi o que mais se aproximou de compreender o incompreensível. Quando o homem foi criado, o sacrifício já havia sido provido. Quando Deus lançou os alicerces do universo, o Filho já havia sido sacrificado por nossa redenção. Por isso Ele é o Cordeiro de Deus, “morto desde a fundação do mundo”.

“Àquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou dos nossos pecados, e nos constituiu reino, sacerdotes para o seu Deus e Pai, a Ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém!”

Apocalipse 1:5,6


[1] Midrash Vayikra Rabbah 9:7

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