Pentecostes e a Contagem do Ômer

Pentecostes e a Contagem do Ômer

26 de Maio, 2025 0 Por Getúlio Cidade

Pentecostes ou Shavuot é a última das Festas da Primavera, mas pode-se dizer que é o prolongamento e a conclusão da Páscoa. Das sete Festas do Senhor, Pentecostes é a única que não tem data fixa no calendário, mas é estabelecida com base no cômputo de tempo a partir da Festa das Primícias. É preciso contar literalmente os dias para chegarmos a Pentecostes e a contagem do ômer é a ordenança para isso.

A contagem do ômer (Sefirat HaOmer) é feita diariamente por um intervalo de sete sábados. Ao fim desses 49 dias, chega-se ao quinquagésimo dia que é Pentecostes. “Contem sete semanas a partir do dia imediatamente após o sábado, a partir do dia em que trouxerem o feixe da oferta movida; deverão ser semanas inteiras. Até o dia que vem depois do sétimo sábado, contem cinquenta dias; então apresentem nova oferta de cereais ao Senhor” (Levítico 23:15,16)

Assim, as Festas da Primavera marcavam o início do ciclo agrícola da terra de Israel. Elas se iniciavam com uma colheita, apresentada no Templo como primícias do centeio, durante a Páscoa, e terminava com outra, a do trigo, cinquenta dias depois, durante a alta temporada de colheita desse grão. Não é preciso dizer que é uma Festa cercada de alegria, como as demais (exceto Yom Kippur), pois assim era apresentada a oferta de cereais, especialmente do trigo, o grão de excelência e matéria-prima do pão de cada dia.

O quinquagésimo dia coincide com a entrega da Torá a Israel, no deserto do Sinai, quando Deus estabeleceu sua aliança com o povo por intermédio das tábuas de pedra que continham seus mandamentos. Esta data é a mesma da descida do Consolador no monte Sião, ocorrida mais de treze séculos após o Sinai, inaugurando o início da Igreja de Yeshua e a dispensação dos gentios.  

A ORDEM DE CONTAR

Atualmente, nenhuma oferta de cereais é apresentada porque obviamente não existe mais Templo. No entanto, a ordenança de se contar dia a dia, entre a Páscoa e Pentecostes, ainda é observada por Israel até hoje.[1] Nesse período, no início de cada dia, ao pôr do sol, conta-se o dia correspondente com a bênção de Sefirat HaOmer e acompanha-se o progresso do tempo até se cumprirem as sete semanas — Shavuot.

A ordem de contar o ômer é específica para a Festa de Pentecostes e nos leva a uma reflexão. Seria excesso de zelo de Deus para que seu povo não perdesse a próxima Festa? Por que contar cinquenta dias, um a um, até Pentecostes? Não seria mais fácil marcar a data no calendário, assim como as demais Festas? A resposta não está clara nas Escrituras, mas acredito que Deus não ordenaria isso sem um bom motivo.

E o motivo parece ser criar a correta expectativa em seu povo até a chegada do grande dia em que cada um poderia levar sua oferta de grãos diante do Senhor, celebrando a colheita abundante. Durante a contagem do ômer, é possível testemunhar a evolução das lavouras, saindo do centeio para o trigo. É possível contemplar, a cada dia, os campos se tornando cada vez mais dourados por todos os lados, preparando-se para a ceifa que marca a temporada dessa Festa. A contagem do ômer é uma forma de apreciar diariamente a provisão e o cuidado de Deus para com seu povo, variando de uns poucos brotos, no início da primavera, até a plenitude da maturação do trigo, pronto para a ceifa.

A ordenança de se contar o ômer parece ser um chamado de Deus a seus filhos para acompanhar o milagre da provisão da terra, passo a passo, no processo agrícola que culminará com o alimento na mesa de seus filhos. É uma forma de agradecer àquele que dá a semeadura, a chuva na estação apropriada e “que faz o pão brotar da terra”. Contar o ômer é uma forma de apreciar diariamente esse milagre que, de outra forma, passaria despercebido. Por isso, o Criador nos convida a contar consigo cada dia com expectativa até alcançarmos Pentecostes.

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A atividade de contar é inerente à ciência matemática. Sem dúvida, Deus é o maior de todos os matemáticos e tem prazer nos números. O livro Bamidbar que significa literalmente “No deserto”, mas que em nossa tradução é “Números” mostra isso claramente. São contagens intermináveis das tribos de Israel, por ordem de Deus a Moisés, desde o início até o fim da peregrinação do Sinai, todas elas documentadas e com um propósito. Ele é um Deus apaixonado por sua criação e tem prazer em contar suas estrelas, às quais atribui um nome único para cada uma (Sl. 147:4).

Ele chega ao ponto de contar os fios de cabelo de nossas cabeças (Mt. 10:30) e nos exorta a pedir-lhe que nos ensine a contar os nossos dias a fim de vivermos de forma sábia (Sl. 90:12). Aprendemos a contar nossos anos passados, mas não podemos contar os dias adiante de nós por desconhecê-los. No entanto, é exatamente isso que pede o salmista. Definitivamente, se soubéssemos o tempo de vida que nos resta, viveríamos de forma muito mais sábia e não desperdiçaríamos minutos, horas ou dias com tolices. Vista desse prisma, a ordem de contar o ômer parece embutir um significado bem mais profundo e filosófico; uma chamada de atenção para se alcançar um modus vivendi que seja uma maneira pacífica e profícua de convivermos com os homens, com Deus e conosco mesmo.

A TORÁ EM TÁBUAS DE PEDRA

A tradição ensina que o primeiro Pentecostes ocorreu cinquenta dias após a primeira Páscoa, ocasião em que Israel saiu do Egito. Israel experimentou a liberdade como povo ao deixar a terra em que seus antepassados foram escravizados. Alguns dias depois de iniciar a jornada, o povo se encontrou em grande sufoco, uma experiência de quase morte, ao ser encurralado entre o exército de faraó que vinha em seu encalço e o Mar Vermelho à sua frente.

Ao atravessá-lo em seco, essa experiência pode ser vista como um tipo de ressurreição. Os israelitas que estavam condenados à morte ressurgiram do outro lado do mar, enquanto seus perseguidores foram sepultados para sempre sob as águas que se fecharam sobre si.

Somente após experimentar essa libertação e tipo de ressurreição, Israel estava pronto, aos pés do Sinai, para receber o maior símbolo de sua aliança com Deus: a Torá. Antes disso, o legislador e mediador do povo, Moisés, teve de passar quarenta dias e quarenta noites no topo do monte, diante do Senhor, para receber as tábuas da aliança inscritas em pedra. Quarenta representa o amadurecimento, a completude de um ciclo. Cinquenta é o número do jubileu que representa liberdade, restituição e redenção. Foi isso que representou a entrega da Torá a Israel cinquenta dias após sua libertação do Egito.

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A TORÁ NO CORAÇÃO

O primeiro Pentecostes da Brit Hadashah (Nova Aliança) ocorreu cinquenta dias após a Páscoa em que o Cordeiro de Deus foi morto para levar sobre si os pecados do mundo. Nesse sacrifício perfeito, houve a libertação da escravidão do pecado que separava o homem de Deus. Três dias depois, veio a ressurreição do Messias, ocorrida exatamente na Festa das Primícias, no início da contagem do ômer.

Após a ressurreição, Yeshua ainda permaneceu na Terra por quarenta dias, ensinando sobre o Reino de Deus (At. 1:3). Assim como Moisés permaneceu quarenta dias no Sinai, diante do Senhor, Yeshua permaneceu pelo mesmo tempo diante dos discípulos para lhes ensinar lições preciosas, preparando-os para a chegada do Consolador. Ele os orientou a permanecer em Jerusalém até serem revestidos de poder do alto.

Como no primeiro Pentecoste, após a libertação e ressureição, os discípulos se separaram e se consagraram por dez dias, em Jerusalém. Eles contaram cada dia do ômer, juntamente com Yeshua, por quarenta dias, conforme o mandamento. E agora, nos dez dias restantes, continuaram a contar com uma expectativa muito maior que os demais do povo de Israel, pois aguardavam a promessa do Consolador feita por Yeshua.

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Em Pentecostes, a promessa se cumpriu e foram cheios de poder do Espírito Santo. O coração dos que receberam as Boas Novas era agora visitado e habitado pelo Consolador, algo impossível antes da redenção dada pelo Filho do Homem. Como no Sinai, eles receberam a Torá, não em tábuas de pedra, mas agora inscritas em seus corações, fosse judeu ou gentio. Cinquenta dias após a Páscoa, eles recebiam uma liberdade elevada a um nível superior, não restrita a Israel, mas estendida a todas as nações da Terra.

PARA ALÉM DO ÔMER

Pentecostes é também chamada de Festa da Colheita por causa do contexto agrícola que a cerca. Esta foi a Festa mais mencionada por Yeshua em suas parábolas, ainda que indiretamente. Ele descreve o esforço evangelístico do Reino de Deus em termos agrícolas, utilizando metáforas como sementes, tipos de solo, colheita, ceifeiros, trigo e joio numa clara alusão a ela. João Batista também usou a mesma terminologia em suas pregações e se referiu ao Messias como sendo aquele que tem em suas mãos a pá para separar o trigo da palha (Mt. 3:12).

A grande colheita de vidas para o Reino se iniciou naquele primeiro Pentecostes da Nova Aliança, após a conclusão da contagem do ômer que culminou com o cumprimento da promessa do Consolador. Pentecostes encerra as Festas da Primavera, mas representa ainda hoje a dispensação dos gentios, o tempo em que a porta do Reino permanecerá aberta para admissão de todo aquele que crer.

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Em breve, chegaremos às Festas do Outono que apontam para a segunda vinda do Messias, quando se cumprirão profeticamente sobre a humanidade. Assim como orou o salmista, podemos e devemos rogar ao Pai que nos ensine a contar além dos cinquenta dias do ômer, entre Pentecostes e as Festas do Outono, para que possamos não apenas viver de forma sábia, mas aprendamos a reconhecer o tempo de sua volta. Bendito seja o nome de seu glorioso Reino para sempre!


[1] Para saber mais sobre o significado espiritual do período de contagem do ômer, ver o capítulo 7 do volume 1 de A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo.

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