Da Páscoa a Pentecostes: Uma Jornada Espiritual

Da Páscoa a Pentecostes: Uma Jornada Espiritual

30 de Abril, 2021 0 Por Getúlio Cidade

Dentre as três grandes Festas do Senhor estabelecidas na Torá, estão a Páscoa e Pentecostes, além de Tabernáculos. Entre a Páscoa, ocorrida há algumas semanas, e a Festa de Pentecostes, há um período muito importante, destacado na Torá e, de forma indireta, nos Evangelhos e no livro de Atos. Refiro-me à contagem do ômer ou Sefirat HaOmer que, além de uma simples contagem de dias e semanas compreendidos entre Páscoa e Pentecostes, aponta para uma jornada de crescimento espiritual.

A Páscoa compreende três Festas que se sobrepõem e se interrelacionam que são a Páscoa propriamente dita que começa no dia da preparação, 14 de Nisan, quando o cordeiro pascoal era sacrificado à tarde; a Festa dos Asmos que se inicia no dia 15 de Nisan e se estende por sete dias consecutivos; e a Festa das Primícias que ocorre no dia seguinte ao Shabbat de Páscoa (Levítico 23:4-14). A próxima Festa do Senhor é Pentecostes e não possui uma data fixa no calendário, mas depende da contagem a partir da Festa das Primícias, ocorrida durante a Páscoa.

“A partir do dia seguinte ao sábado, o dia em que vocês trarão o feixe da oferta ritualmente movida, contem sete semanas completas. Contem cinquenta dias, até um dia depois do sétimo sábado, e então apresentem uma oferta de cereal novo ao Senhor” Levítico 23:15,16. O mandamento determina que se contem os dias e as semanas a partir da oferta movida pelo sacerdote no Templo que consistia dos primeiros feixes de centeio e marcava a Festa das Primícias. A época de Páscoa coincidia com o início da colheita do centeio e por isso era o cereal que devia ser trazido como oferta.

O ato de se ofertar os primeiros feixes de centeio a serem colhidos pelos israelitas era tão sagrado que eles são advertidos por Deus a não comerem nada dessas primícias até que fossem oferecidas a Ele. “Vocês não poderão comer pão algum, nem cereal tostado, nem cereal novo, até o dia em que trouxerem essa oferta ao Deus de vocês. Este é um decreto perpétuo para as suas gerações, onde quer que moraremLevítico 23:14 (grifo nosso). Antes de usufruir do fruto de seu trabalho, o homem deveria levar as primícias a Deus, o que nos leva a refletir sobre a importância de dar a Ele a melhor parte e não as sobras, em todas as áreas de nossas vidas.

A partir da Festa das Primícias, então, começa-se a contagem para Pentecostes, sendo “o dia seguinte ao sábado” o primeiro dia, contando-se sete semanas, 49 dias. O dia seguinte, então, é Pentecostes (quinquagésimo em grego). Essa contagem é conhecida como Sefirat HaOmer (contagem do ômer). Ômer em hebraico significa feixe ou molho. Pentecostes coincide com o início da colheita do trigo e, assim, este cereal era trazido como oferta na forma de dois pães para serem apresentados como oferta movida pelo sacerdote (Lv. 23:17).

A contagem é feita à noite, logo após o pôr-do-sol (início do dia bíblico), acompanhada da leitura do salmo 67, pois é composto de sete versos e 49 palavras em hebraico. Curiosamente, o verso 6 fala da colheita: “Então a terra dará o seu fruto, e Deus, o nosso Deus, nos abençoará”.

Segundo a tradição judaica, o período composto por essas sete semanas é de profunda reflexão em nosso relacionamento com Deus e com nosso próximo, onde se busca fortalecê-lo. Dá-se grande ênfase no robustecimento dos laços com o próximo que pode ser um parente, um amigo, um colega de trabalho ou até um estranho. Considerando isso, cada dia da contagem do ômer é um dia especial e não deve ser desperdiçado. É um aperfeiçoamento crescente em nosso relacionamento com o próximo e, em consequência disso, com Deus. A essência de Sefirat HaOmer foi capturada por Yohanan (João), quando escreveu: “Se alguém afirmar: ‘Eu amo a Deus’, mas odiar seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” 1 João 4:20.

Os sábios judeus também ensinam que há um paralelo entre os cereais com o povo de Israel. A contagem do ômer se inicia no segundo dia dos Asmos (primeiro dia do ômer), na Festa das Primícias, que é quando o sacerdote oferece as primícias do centeio no Templo. O centeio é considerado um cereal grosseiro, descrito pelos sábios como forragem para gado. Cinquenta dias mais tarde, os sacerdotes apresentam como oferta movida dois pães fermentados, feitos do trigo entregue como primícias. Este é um cereal nobre desde a Antiguidade, um dos mais importantes na subsistência do homem e representa a vida em si mesmo. O trigo também representa o homem nas Escrituras. Assim, durante a contagem de 49 dias, o cereal evolui de um mero sustento de gado para um que simboliza o próprio homem.

Israel deixou o Egito como um gado que acabara de ser solto, segundo os sábios, com um conhecimento espiritual raso. E, durante 49 dias, à medida que via a mão milagrosa de Deus operando sobre si na passagem do Mar Vermelho e na peregrinação pelo deserto, foi amadurecendo espiritualmente como povo livre. E alcançou um dos pontos mais elevados da história da nação cinquenta dias após a saída do Egito, a saber, a entrega da Torá por Deus no Monte Sinai, marco este que deu origem à Festa de Pentecostes.

Essa é o significado da contagem do ômer, onde se busca o aperfeiçoamento espiritual a cada dia, em especial no relacionamento com o próximo, até se alcançar a revelação da Torá em Pentecostes.

Sefirat HaOmer entre Yeshua e seus discípulos

Todos conhecem bem o significado de Pentecostes no cristianismo, pois foi nessa exata Festa que se cumpriu a promessa da descida do Espírito Santo sobre os discípulos de Yeshua. O que poucos sabem, por desconhecerem as raízes judaicas desse evento, é que a transformação do caráter dos discípulos, em especial de Pedro, se deu exatamente durante a temporada da contagem do ômer, algo que todo Israel conhecia e praticava bem antes do século I.

Além do personagem principal desse primeiro Pentecostes após a ressurreição de Yeshua, que indiscutivelmente foi o Espírito Santo, temos a figura do apóstolo Pedro. Pentecostes é uma das três grandes Festas em que era obrigatório que todo homem devia comparecer perante Deus em Jerusalém (Dt. 16:16). Portanto, a cidade estava abarrotada de judeus e prosélitos de todo o mundo conhecido da época. Quando eles ouvem os discípulos falarem das maravilhas de Deus em suas próprias línguas, ficam boquiabertos e alvoroçados. É nesse ponto que entra em ação Pedro, iniciando seu discurso épico que deu início à grande colheita de almas pelo mundo e que ainda não terminou.

Aquele era o mesmo Pedro que se acovardara e negara Yeshua três vezes. Embora a mesma pessoa, seu espírito havia sido transformado de modo contundente durante a contagem do ômer. Após a ressurreição, Yeshua apareceu para os discípulos diversas vezes, das quais sabemos de algumas pelas Escrituras. Em uma delas, Ele apareceu somente a Pedro (Lc. 24:34) e certamente lidou com questões que o atormentavam interiormente por sua tripla negação do Messias. Depois, em outras aparições aos demais discípulos, Ele continuou ministrando a Pedro, como na passagem da pesca maravilhosa de João 21. Em cada circunstância, não somente Pedro, mas todos os discípulos foram edificados espiritualmente.

Como ressuscitou na Festa das Primícias que era o início da contagem do ômer, Yeshua ascendeu ao céu no quadragésimo dia do ômer (Atos 1:3). Durante esses quarenta dias, Ele se revelou aos discípulos em um corpo completamente vivificado e de uma maneira nova e profunda, ensinando-lhes muitas coisas a respeito do Reino de Deus.

É importante ter em mente que Ele não era o mesmo homem sujeito às tentações e exposto às fragilidades da carne, mas recebera todo poder e autoridade após a ressurreição. Seus ensinamentos tiveram um peso ainda maior sobre os discípulos. Durante esse período de Sefirat HaOmer, as revelações que receberam levaram-nos a um amadurecimento maior na relação com o Senhor, provavelmente crescendo mais espiritualmente do que em qualquer outro período de suas vidas.

Antes de ser recebido no céu, Yeshua orienta os discípulos a irem para Jerusalém aguardar a promessa do Espírito Santo. E assim eles passam os dez dias restantes da contagem do ômer, perseverando unânimes em oração e súplicas, usufruindo de profunda comunhão entre si, um relacionamento sincero e genuíno que nem mesmo conseguiram ter quando conviveram com Yeshua. O término da contagem do ômer se dá, portanto, com um dos eventos mais fabulosos da história da Igreja: a descida do Espírito Santo.

Foram cinquenta dias inesquecíveis! Um tempo de relacionamento íntimo com o Senhor, de revelações profundas, seguido de busca contínua através da oração em unidade e comunhão uns com os outros, e que culminou com a descida do Espírito Santo para habitar seus corações. Depois daquele período, os discípulos não eram as mesmas pessoas antes da crucificação. Haviam experimentado, em um curto espaço de tempo, uma verdadeira transformação interior, como ocorrera com Pedro. Sua jornada espiritual havia culminado com o recebimento do Espírito Santo. Suas vidas jamais seriam as mesmas.

O mesmo se dá com cada um de nós em Sefirat HaOmer. No início da contagem, recebemos o sacrifício de Yeshua em nossas vidas e somos feitos novas criaturas (2Coríntios 5:17). Começamos, então, um período de busca contínua, representado profeticamente pelas sete semanas de contagem do ômer, para recebermos o Espírito Santo, como ocorreu com os discípulos no Monte Sião. À medida que buscamos a Deus, estreitando nosso relacionamento com Ele e sendo edificados dia a dia, somos transformados gradativamente de grão de centeio (Páscoa/Primícias) a grão de trigo (Pentecostes). Deixamos para trás nossa velha natureza ao sermos salvos (centeio) para sermos transformados em um grão refinado cotidianamente pelo Senhor (trigo), recebendo a plenitude do Espírito Santo em Pentecostes.

Essa é a essência de Sefirat HaOmer, cumprida na Nova Aliança,  temporada em que nos encontramos no momento, e que deve ser buscada por cada cristão discípulo de Yeshua, a fim de aprofundar seu relacionamento com Deus e com o próximo, sabendo que esse amadurecimento espiritual e essa intimidade são condições indispensáveis para se alcançar Pentecostes, ou seja, uma vida cheia do Espírito de Deus.


Esse tema relacionado a Pentecoste, bem como as demais Festas do Senhor contidas na Torá são explorados com maior profundidade e riqueza de detalhes no livro “A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo” que pode ser adquirido nos links de nossa página.

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