Pentecostes e a Grande Colheita

Pentecostes e a Grande Colheita

21 de Maio, 2023 0 Por Getúlio Cidade

Estamos nos aproximando de mais uma Festa de Pentecostes ou Shavuot que, neste ano, se inicia ao pôr-do-sol de 25 de maio. Como faço em todas as Festas do Senhor a cada ano, trago para esta um tema sobre o qual tenho refletido ultimamente, por ocasião dos acontecimentos que têm marcado o mundo em nossos dias. Pentecostes e a grande colheita são termos quase que sinônimos. Um dos nomes para Pentecostes é justamente Festa da Colheita porque aponta para temporada da ceifa do trigo na terra de Israel. Na Brit Hadashah, porém, tal colheita aponta para as almas colhidas para o Reino de Deus.

Essa ideia é transmitida por Yeshua nos Evangelhos em diversas passagens. Uma das mais simbólicas está no capítulo 4 de João, no marcante encontro que teve com a samaritana no poço de Jacó. Após ouvi-lo e se convencer de que Ele era o Messias, a mulher fala a seu respeito ao povo da cidade que, por sua vez, vai ao seu encontro e ouve as Boas Novas do Reino. O que se segue é uma cidade inteira crendo em sua mensagem e declarando que Yeshua é o Salvador do mundo (v.42).

Após o encontro que mudou a vida da samaritana, Ele diz aos discípulos: “Não dizeis vós: Ainda há quatro meses até que venha a ceifa? Ora, eu vos digo: levantai os vossos olhos, e vede os campos, que já estão brancos para a ceifa. Quem ceifa já está recebendo recompensa e ajuntando fruto para a vida eterna; para que o que semeia e o que ceifa juntamente se regozijem”. João 4:35,36

É uma referência a Pentecostes, pois a Festa ocorria na plenitude da colheita do trigo. Os campos brancos para a ceifa apontam para as almas maduras para a colheita do Reino de Deus. Como muitas das palavras de Jesus, não sei se os discípulos compreenderam a profundidade de seu significado naquele momento. Ele mesmo dizia que muito do que lhes falava seria compreendido por eles mais tarde. Yeshua estava fazendo menção a uma colheita profética que se iniciava com sua vinda ao mundo. Uma colheita que começou com Ele nos Evangelhos, passou para os discípulos no primeiro Pentecostes do Novo Testamento e prossegue ainda hoje.

UM SÓ CORAÇÃO

Quando se vê uma colheita sendo realizada em algum campo, a primeira coisa que salta aos olhos é a harmonia dos ceifeiros. Todos trabalham com o mesmo desígnio e de modo eficaz, colhendo o fruto da terra e reunindo-o em feixes, no caso do trigo, que serão armazenados em um celeiro posteriormente. Os ceifeiros ajudam-se mutuamente, somando seus esforços, trabalhando com unidade de propósito.

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De modo similar, é necessário que haja unidade na colheita do Reino de Deus. Sem ela, qualquer esforço individual isolado é ineficaz. Em um trabalho manual, a imensidão dos campos de trigo requer muitos trabalhadores experientes para que não se perca o fruto da terra. É nesse contexto que Jesus ensina que a seara é grande, mas poucos são os ceifeiros; que devemos rogar ao Senhor da seara que envie mais ceifeiros (Lc. 10:2). Não apenas a quantidade é importante, mas a unidade, especialmente para seguir as ordens do dono da seara a fim de não desperdiçar a mão de obra, não ceifar onde alguém já o esteja fazendo. De igual modo, é preciso que os ceifeiros ajudem uns aos outros quando necessário.

Esse é o contexto da Festa da Colheita. Não é por acaso que, entre a Páscoa e Pentecostes, quando se efetua a contagem do ômer (Sefirat HaOmer), um dos propósitos é aperfeiçoar o relacionamento com o próximo. Isso é algo inerente à Torá e reforçado por Yeshua nos Evangelhos. O alvo de se melhorar esse relacionamento é que se chegue a Pentecostes em perfeita unidade de espírito. Observe que isso é anterior a Yeshua e vem desde a tradição do primeiro Pentecostes, marcado pela entrega da Torá no Sinai.

Em Êxodo 19:2, é dito que os filhos de Israel chegaram ao deserto do Sinai e Israel acampou ali em frente ao monte. O verbo para “chegaram” e “acampou” é o mesmo (ח-נ-ה), mudando apenas a conjugação. As traduções do hebraico usam dois verbos provavelmente para evitar ambiguidade e facilitar o entendimento. Porém, no original, a ênfase está na conjugação. Eles “acamparam” no deserto (3ª pessoa do plural) e ele (Israel) “acampou” em frente ao monte Sinai (3ª pessoa do singular). Os sábios ensinaram que o fato da segunda conjugação estar no singular aponta para um nível bem elevado de união entre os judeus, como se todos fossem um só homem e um só coração. Este nível de unidade era requerido para que a Torá — símbolo maior de compromisso entre Deus e uma nação — pudesse ser entregue ao povo, marcando o primeiro Pentecostes da história de Israel.

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A UNIDADE NA COLHEITA

Essa mesma exigência de coesão era necessária para que Yeshua pudesse cumprir sua promessa de enviar o Consolador, o Espírito Santo, sobre os discípulos, exatamente no mesmo dia da Festa de Pentecostes, cerca de 1.300 anos depois do Sinai. Sabemos que não havia essa coesão entre os discípulos enquanto Yeshua andou entre eles. Há vários relatos nos Evangelhos dessa falta de unidade, causada pela soberba de seus corações. Marcos, por exemplo, conta que Tiago e João queriam um lugar especial no Reino de Deus, o que enfureceu os demais discípulos. Eles também discutiram entre si sobre quem era o maior dentre eles, no último seder de Pesach, pela maneira com que Yeshua os assentou no triclínio.[1]

Dentre todos, a soberba de Pedro é a mais evidente e, devido a isso, foi o que mais sofreu durante o processo de restauração que se iniciou ainda na Paixão do Senhor. Da ressurreição até a ascensão de Jesus, o que se deu durante quarenta dias, exatamente no período de contagem do ômer, Pedro, Tomé e todos os demais passaram por um processo de quebrantamento, humilhação e restauração nos encontros que tiveram com o Messias ressurreto, como narram os Evangelhos. Isso os trouxe ao lugar de unidade que o Mestre desejava para que estivessem prontos para receber a promessa de Ruach HaKodesh e iniciar a grande colheita de almas em Pentecostes.

No dia da Festa, o épico capítulo 2 de Atos dos Apóstolos se inicia ressoando a unidade entre os discípulos ao dizer que estavam todos reunidos no mesmo lugar. Bastaria dizer que estavam reunidos. Parece um pleonasmo, mas nada na Palavra escrita é por acaso. Deus quer reforçar a ideia de que, após todo o trauma e restauração por que passaram, estavam mais unidos do que nunca, em obediência à ordem de Yeshua de permanecerem em Jerusalém para serem revestidos do alto. É a mesma ênfase dada em Êxodo 19:2, quando o povo esperava pela entrega da Torá no Sinai como um só homem.

Um Pedro, completamente restaurado e transformado, ergue a voz para fazer um sermão ousado e cheio do Espírito naquele Pentecostes, o que leva a uma colheita de quase três mil homens. O final do capítulo 2 resume bem como viviam os discípulos naqueles primeiros dias da Igreja, perseverando unânimes no Templo, repartindo o pão e comendo juntos com alegria e singeleza de coração (v.46). Mais adiante, Pedro é preso por Herodes, “mas a Igreja fazia contínua oração por ele” (12:5) e Deus responde com um milagre. O poder da unidade impediu que ele permanecesse preso.

No entanto, tal unidade se consolidou em tempos de muita tribulação e perseguição aos discípulos. O martírio de Estêvão leva à dispersão da Igreja por toda a Judeia e Samaria e, em seguida, pela Fenícia, Chipre e Antioquia, levando um grande avivamento a essas terras. As Boas Novas prosseguiram sendo pregadas e se espalharam pelos quatro cantos da Terra e continuam se espalhando ainda hoje. E tudo começou com a perseguição em Jerusalém…

A ÚLTIMA COLHEITA

É notório o fato de que a perseguição a essa mesma Igreja que foi revestida no primeiro Pentecostes após a ascensão, iniciando uma grande colheita, esteja se acirrando em nossos dias. Isso não é novidade alguma nos países comunistas e muçulmanos onde, há décadas e séculos, tal perseguição virou rotina. Agora, porém, ela alcança o Ocidente e aumenta a cada dia. Há muitos perplexos com a marcha contra as liberdades individuais e de culto, de professar abertamente a crença oriunda dos valores judaico-cristãos sem atrair reprovação e ódio. Esses são os mesmos valores bíblicos que norteiam nossa civilização há séculos.

No entanto, isso não deveria surpreender os que creem nas Sagradas Escrituras, pois foi predito que assim seria nos tempos do fim, nos quais nos achamos. “Sereis odiados de todos por causa do meu nome” (Mc. 13:13). O espírito do anticristo que já enfrentamos se levanta contra tudo o que se chama Deus ou é objeto de adoração. Chegará o tempo quando a mera pronúncia do nome de Deus será proibida. Tal perseguição será permitida pelo Senhor, como foi no passado, e tem o propósito de unir sua Igreja. As tantas divisões causadas por profissão de fé, denominações, interpretações teológicas e assim por diante perderão a importância diante do fogo da provação. A perseguição será como o crisol que purifica a prata de suas impurezas, deixando apenas a essência do incorruptível — a fé, a esperança e o amor.  

Haverá uma unidade como nunca entre todos os que professam e seguem os mandamentos de Deus. A mesma unidade que fez com que Israel aguardasse aos pés do Sinai pela Torá; a mesma unidade que permeava os 120 discípulos que oravam como um só no cenáculo de Pentecostes, aguardando a promessa do Consolador. Teremos a mesma unidade que Yeshua pediu ao Pai para sua Igreja antes de sua Paixão, unidade esta que fará o mundo crer que Ele é o Messias. “E rogo não somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim; para que todos sejam um; assim como tu, ó Pai, és em mim, e eu em ti, que também eles sejam um em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste.” João 17:20,21

De certo modo, essa unidade já vem ocorrendo nos países privados de liberdade religiosa, onde a Igreja é perseguida. Ela aumentará cada vez mais em meio às densas trevas que se avolumam ao nosso redor, trazendo consigo o mesmo vento que avivou os discípulos em Jerusalém, impulsionando-os para o início daquela colheita. A boa notícia é que esse vento já tem soprado e levará sua Igreja unida a uma colheita de milhões de almas para o Reino de Deus. Esta será a última grande colheita de Pentecostes, a Festa profética em que nos encontramos hoje na linha do tempo de Deus, até que venha seu Reino sobre todos, bendito seja ele! Então, toda a Terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar (Hb. 2:14).

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[1] Lucas 22:24. Ver explicação de como se assentaram os discípulos no último seder no capítulo 6 do vol.1 de A Oliveira Natural.

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