A Serpente de Bronze e o Filho do Homem

A Serpente de Bronze e o Filho do Homem

9 de Agosto, 2023 2 Por Getúlio Cidade

A história da serpente de bronze, feita por Moisés no deserto do Sinai, é um dos eventos mais proféticos que apontam para o Messias na Torá. Quando o próprio Yeshua afirmou que a Torá falava de si, sem dúvida, Ele tinha em mente a serpente de bronze de Moisés, entre outros tipos do Messias. Ele se referiu a ela em sua conversa com Nicodemos e tenho uma forte convicção que, em seu sermão no caminho de Emaús, Ele a mencionou para os dois discípulos, embora eu não possa comprovar. Essa simbologia da serpente pode parecer um pouco confusa, mas é profunda e precisamos recorrer ao hebraico. Assim, vejamos a relação messiânica entre a serpente de bronze e o Filho do Homem.

Números 21 narra um dos episódios mais trágicos ocorridos com Israel na travessia do Sinai, quando o povo murmurou contra o maná enviado por Deus para alimentá-lo. Declarar que “nossa alma detesta este miserável pão” (v. 5) fez com que o Senhor enviasse serpentes venenosas para picá-los, matando muita gente. Aquele terrível castigo fez o povo enxergar que havia pecado mais uma vez contra Deus.

Como ocorre com a prática de qualquer pecado, a consciência do homem lhe fala sobre tal violação e, então, a pessoa responde de duas maneiras. Ou endurece o coração e permanece no pecado, desviada da trilha de Deus e afastando-se dele; ou faz teshuvá — mudando de direção e se voltando para Ele —, mostrando frutos de arrependimento, conforme exortou João Batista aos que iam até ele para serem batizados. 

SERPENTES DE FOGO

O termo original para “serpentes venenosas” em Números 21:6 é הנחשים השרפים — hanachashim haserafim, também traduzida por “serpentes de fogo” em algumas versões, pois o termo singular saraf é incandescente, algo ardente, capaz de queimar. Esse termo aparece apenas sete vezes na Tanach, nos livros de Números, Deuteronômio e Isaías. Cinco delas se referem a serpentes e são traduzidas por serpentes venenosas ou de fogo (termo mais preciso). As outras duas estão em Isaías 6 e são traduzidas por serafins, quando o profeta descreve os seres de seis asas em sua visão do trono celestial.  

Sim, por mais incrível que possa parecer, a palavra para serpentes de fogo é a mesma para os serafins que cercam o trono de Deus. Na visão de Isaías, o profeta lamenta ser um “homem de lábios impuros” e teme morrer. “Então, um dos serafins voou para mim, trazendo na mão uma brasa viva, que tirara do altar com uma tenaz; com a brasa tocou a minha boca e disse: Eis que ela tocou os teus lábios; a tua iniquidade foi tirada, e perdoado, o teu pecado.” Isaías 6:6-7

Imagem: Pinterest

A visão de Isaías ocorre cerca de seis séculos depois do episódio das serpentes de fogo no deserto do Sinai e, de certo modo, é uma repetição daquele acontecimento. No Sinai, o povo murmura contra o alimento provido por Deus para sustentá-lo por quarenta anos no deserto e é castigado por serpentes de fogo. Na visão de Isaías, diante da revelação do Senhor assentado em seu trono, seu pecado é exposto e um serafim é enviado com fogo para purificá-lo. Tanto o pecado do povo no deserto quanto o de Isaías estão ligados a “lábios impuros” ou ao pecado da língua. E ambos precisam ser purificados por criaturas de fogo, sejam elas serpentes ou seres celestiais, formadas pela mesma palavra no hebraico: serafim.

Esse termo também se refere a cor bronze que é a mesma do fogo. O bronze, assim como o fogo, é o elemento bíblico que representa o juízo de Deus. Não é por acaso que as colunas do pátio externo do Tabernáculo eram firmadas sobre bases de bronze. Igualmente, a primeira coisa que se via ao entrar no pátio era o altar de bronze, onde o fogo ardia continuamente com sacrifícios a Deus, apontando para seu juízo sobre a vítima oferecida a fim de expiar os pecados de Israel. Para adentrar na presença de Deus no Tabernáculo de Moisés (Mishkan Moshe), era necessário passar antes pelo fogo de seu juízo. Essa breve reflexão nos leva a concluir que os serafins operam com o fogo do altar e são seres ligados à execução dos juízos de Deus sobre a Terra.

ARREPENDIMENTO E VIDA

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No Sinai, após muita dor e muitas mortes, “o povo veio a Moisés e disse: Havemos pecado, porquanto temos falado contra o Senhor e contra ti; ora ao Senhor que tire de nós estas serpentes. Então, Moisés orou pelo povo” (Números 21:7). Em seguida, o Senhor instruiu Moisés a fazer uma serpente de bronze e colocá-la sobre uma haste para que todos os picados pelas serpentes olhassem para ela para serem curados, permanecendo vivos. E assim foi.

O ato de olhar para a serpente de bronze era profético e significava reconhecer a condição de pecador. Era assumir o erro e fazer teshuvá, voltando-se para Deus. Era reconhecer que o castigo era merecido e o juízo de Deus justo. Contemplar a serpente de bronze equivalia a contemplar seu próprio pecado e o merecido castigo que ela simbolizava. As pessoas feridas mortalmente eram obrigadas a olhar para a imagem daquilo que lhes fustigava e causava morte, caso quisessem continuar vivas. Não era uma visão agradável, pois representava a própria condição miserável do povo perante um Deus Santo. No entanto, era a única maneira de permanecer vivo em face do juízo de fogo.

Tanto os israelitas no Sinai quanto Isaías em sua visão descobriram que o pecado cometido com a língua é muito grave e conduz ao juízo de morte. E que somente olhando para o juízo de Deus sobre esse pecado, em postura de humilhação e arrependimento, é possível escapar dele e viver. A serpente de bronze e o serafim com fogo em uma tenaz representam esse juízo capaz de livrar o pecador da morte.

“OLHAI PARA MIM”

Em João 3, em seu encontro com Nicodemos — um dos principais mestres dos fariseus — Yeshua lhe falou de coisas profundas relativas ao Reino de Deus, como nascer de novo e sobre a ação do Espírito equiparada ao vento. Nicodemos não compreendeu essa linguagem naquele momento, até porque o Espírito consolador somente foi liberado após a subida do Filho do Homem ao Pai, confirmando e ensinando aos discípulos tudo o que fora ensinado por Ele.

Porém, como mestre da Torá, não tinha como não compreender quando Yeshua lhe disse: “E como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado; para que todo aquele que nele crê tenha a vida eterna” (João 3:14-15). Nicodemos conhecia bem a história da serpente de bronze; sabia que representava o juízo de Deus sobre o pecado da murmuração contra o maná no deserto. Ao se assemelhar à serpente de bronze, o Filho do Homem estaria assumindo o lugar do juízo divino.

Yeshua teria de ser erguido sobre uma estaca, assim como a serpente de bronze foi erguida sobre uma haste por Moisés, tendo de sofrer todo o castigo dos pecados da humanidade. Os serafins de fogo estariam ministrando sobre Ele para lidar com a maldição do pecado desde o Éden, pois Yeshua se fez maldição em nosso lugar (Gl 3:13). E assim como todo o que fora picado pelas serpentes de fogo tinha de olhar para a serpente de bronze para ser salvo da morte, toda a humanidade precisa olhar para a cruz a fim de ser livre da morte eterna, pois todos pecaram e foram destituídos da glória de Deus (Rm 3:23). E “o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus nosso Senhor” (Rm 6:23).

Provavelmente Nicodemos não sabia que a morte do Filho do Homem se daria por crucificação, mas compreendeu que algum ato substitutivo seria feito, pois esse fora o papel da serpente de bronze de Moisés. Após a morte de Yeshua, dois de seus discípulos secretos e mais ilustres em Israel conduziram seu sepultamento: José de Arimatéia e Nicodemos. Sabemos que Nicodemos levou consigo cerca de 34 quilos de mirra e aloés, o que era realmente uma quantidade grande e cara, apenas para realizar o sepultamento de Yeshua de acordo com os costumes judaicos (João 19:39). Ele certamente se lembrou de suas palavras naquela noite de sua conversa a sós com Jesus e compreendeu que Ele, como Messias, precisava tomar o lugar da serpente de bronze. Do contrário, por que se preocuparia em realizar tal ato opulento e honroso em um sepultamento?

Ainda na conversa com Nicodemos, é nesse contexto do juízo da serpente de bronze que o Senhor proclama talvez o versículo mais conhecido de todas as Escrituras entre cristãos. “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (João 3:16) A serpente de bronze e o Filho do Homem são expressões de um Deus de justos juízos, porém, rico em misericórdias.

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Para não perecer e ter a vida eterna, é necessário olhar para a cruz e para o fogo do juízo divino sofrido pelo Filho do Homem. Não é uma visão agradável, porém, necessária para quem quer ser salvo. Ao vê-lo, o homem deve reconhecer que pecou e que merece morrer. Precisa se arrepender de seus maus caminhos, abandonar suas práticas pecaminosas abomináveis a Deus e fazer teshuvá. Essa é a única maneira de escapar da morte. A serpente de bronze e o Filho do Homem na cruz representam o juízo sobre o pecado. E o ato de se olhar para eles redunda em vida. É exatamente isso que o Senhor diz em Isaías 45:22: “Olhai para mim e sereis salvos”.


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