Yom Kippur – o Dia da Reconciliação

Yom Kippur – o Dia da Reconciliação

20 de Setembro, 2023 2 Por Getúlio Cidade

O Dia da Expiação ou Dia do Perdão — Yom Kippur — é o mais solene e sagrado do calendário judaico. Sua ocorrência dentro do mês de Tishrei o coloca no centro das Festas do Outono que é quando se alcança o clímax de Teshuvá, iniciada quarenta dias antes em primeiro de Elul. As Festas do Senhor têm um caráter abrangente e se estendem a toda a humanidade, pois apontam para o Messias. Yom Kippur não é diferente, porém, possui um tom peculiar e exclusivo para Israel, pois é a Festa ligada à chegada do Messias sobre a Terra para se reconciliar com o remanescente de seu povo. Yom Kippur, o dia da reconciliação, trata desse encontro tão esperado entre Deus e Israel.

No volume 2 de A Oliveira Natural, as Festas que apontam para a segunda vinda de Yeshua — Festas do Outono — são estudadas detalhadamente, especialmente nos livros dos Profetas (Nevi’im). Neste artigo, buscarei abordar apenas o que representa Yom Kippur como dia da reconciliação. Parte do simbolismo dessa Festa é ricamente explicado pela magnífica carta aos Hebreus, nos capítulos de 7 a 10. Ali vemos que Yeshua é o Sumo Sacerdote segundo uma nova ordem, a de Melquisedeque. E que, ao mesmo tempo, Ele é a oferta perfeita, que adentrou o Santo dos Santos do Tabernáculo celestial e fez expiação por todos. Em seguida, assentou-se à destra de Deus (Hb. 10:12). O verso seguinte diz que, “daí por diante, espera que os seus inimigos sejam postos por estrado dos seus pés”.

Esse é um verso importante para compreendermos o caráter futuro de Yom Kippur. Embora o sacrifício de Yeshua tenha sido perfeito e não haja nada mais a acrescentar, Ele “espera” a vitória completa sobre seus inimigos. O inimigo e opositor de Deus, Satanás, foi vencido na cruz, pois perdeu seu poder sobre a morte e o inferno. Sim, ele não é dono do inferno, ao contrário do que muitos pensam. Yeshua tomou de suas mãos as chaves da morte e do inferno (Ap. 1:18). Embora não seja mais dono do inferno, Yeshua o chama de príncipe deste mundo (Jo. 16:11). Por quê? Porque o homem preferiu o pecado aos mandamentos de Deus. Preferiu no passado, desde a criação, e continua preferindo hoje. Isso deu legalidade ao inimigo de Deus de exercer seu domínio sobre os homens.

Então, pelo que espera o Senhor se já o venceu? Espera dando tempo para que o mundo se arrependa, antes que venha julgá-lo com seus justos juízos, dar fim ao domínio temporário de Satanás e aprisioná-lo durante seu Reinado milenar sobre a Terra. Quando o inimigo, HaSatan, aparece para tentar Yeshua no deserto, promete lhe dar todos os reinos da Terra se Ele se prostrar e o adorar, pois alega que todos os domínios lhe foram dados. Isso não passava de mais uma mentira do pai da mentira. Deus nunca entregou o mundo que criou com tanto amor e onipotência para o inimigo. O salmo 115 diz que Ele deu a Terra aos filhos dos homens. O homem, no entanto, com seu pecado, rebelou-se contra Deus e Satanás a tomou de suas mãos.

Imagem: The Temple Institute

Logo, o Senhor aguarda pelo dia em que há de trazer juízo não apenas sobre o mundo iníquo e rebelde, mas sobre o diabo e seus anjos caídos, quando os porá por “estrado de seus pés”. O autor de Hebreus nos explica de modo envolvente que toda a simbologia de Yom Kippur foi cumprida em Yeshua no que se refere ao trabalho do Sumo Sacerdote e do sacrifício. Mas há ainda um aspecto da liturgia que ainda não foi cumprido.

Ao final do serviço de Yom Kippur, em que apenas o sumo sacerdote ministrava no Templo, durante horas e sem ser auxiliado por ninguém, após se certificar que as ofertas foram aceitas por Deus (havia vários indícios sobrenaturais para isso), dirigia-se para o átrio exterior, onde a multidão o aguardava ansiosa, estendia os braços e dava a notícia pela qual esperavam: “seus pecados estão perdoados!”. Era um momento de grande comoção, lágrimas e alegria. Yeshua, após apresentar o perfeito sacrifício no Santo dos Santos do céu, assentou-se à destra do Pai e lá permanece. Falta Ele sair para o átrio exterior (sua manifestação visível a Israel) e avisar seus irmãos judeus, que o estarão aguardando ansiosamente, de que seus pecados foram expiados e eles estão salvos de seus inimigos. Esse encontro particular do Messias com Israel concluirá o serviço de Yom Kippur e selará o dia da reconciliação.

“RECONCILIAÇÃO PELA INIQUIDADE”

Em nosso primeiro artigo de 2023, escrevi sobre a Grande Tribulação e as Dores de Parto do Messias, enfatizando que este será o tempo mais difícil para os judeus em face da perseguição imposta pelo anticristo, quando quebrar a falsa aliança de paz feita com Israel. Os dez Dias de Temor entre Rosh HaShanah e Yom Kippur apontam para esse período tenebroso. São dias de profundo pesar, confissão e arrependimento, pois indicam o juízo de Deus sobre toda a humanidade. Será no ápice do sofrimento de Israel, quando Jerusalém estiver cercada por exércitos inimigos, que Yeshua voltará para salvar seu povo.

Será não apenas o tempo mais difícil na história de Israel, devido ao pior nível de perseguição, mas será também um tempo difícil para o mundo devido às catástrofes que ocorrerão nesse período, fruto do juízo de Deus sobre a rebeldia e o pecado. Será a forma de Deus reconciliar sua justiça para com o mundo, preparando o caminho para o Reino do Messias. A carta aos Romanos é crucial para compreendermos um pouco do mistério de Deus com Israel. A “plenitude dos gentios” terá sido alcançada (Rm. 11:25), terminando o tempo de “endurecimento” de Israel. “E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: ‘Virá de Sião o redentor que desviará de Jacó a impiedade.  E esta é a minha aliança com eles quando eu remover os seus pecados’” (Rm. 11:26-27).

Imagem: The Temple Institute

Paulo cita o profeta Zacarias que, em seu livro, usa por diversas vezes a expressão “naquele dia”, uma menção a Yom Kippur, o dia da reconciliação de Deus com Israel. O termo usado para “remover os seus pecados” tem a conotação de afastar. Esse era o papel do bode expiatório de Yom Kippur, sobre o qual recaía a sorte de ser levado para o deserto, carregando profeticamente os pecados do povo, afastando-os de Israel. Paulo faz menção a Yom Kippur nesse verso e o liga à segunda vinda de Yeshua que há de anunciar, como Sumo Sacerdote, que o remanescente de Israel que sobreviver para encontrá-lo, confessando-o como Messias, terá seus pecados removidos. O texto de Zacarias ainda afirma que os pecados de Israel serão removidos num só dia, outra menção a Yom Kippur.

Essa era a data em que os pecados de Israel cometidos naquele ano eram perdoados de uma só vez. Yom Kippur era um dia de reconciliação com Deus que precisava ser renovado de ano em ano. Na profecia de Daniel, o profeta diz que estão determinadas setenta semanas para “fazer reconciliação pela iniquidade” ou “expiar a iniquidade” (Dn. 9:24), de acordo com a tradução. O verbo para expiar é לכפר (lechaper) e possui a mesma raiz de kippur (כ-פ-ר), uma indicação de que o fim das setenta semanas se dará nessa Festa. Esse verbo significa cobrir, pacificar, reconciliar e propiciar (daí vem o nome propiciatório — kapporet —, de mesma raiz).

O equivalente no grego para lechaper aparece apenas duas vezes no Novo Testamento, em Hebreus 2:17, em que Yeshua é apresentado como Sumo Sacerdote a fim de “fazer propiciação pelos pecados do povo”, e na parábola de Lucas 18:13, em que o pecador bate no peito e clama por misericórdia (literalmente, por propiciação). Por outro lado, a palavra normalmente traduzida por reconciliação do grego (katalasso) aparece seis vezes, apenas nas cartas aos Romanos e aos Coríntios, e sempre se refere à reconciliação de Deus com os homens mediante Yeshua, exceto em 1Corítinios 7:11, quando trata da reconciliação de cônjuges.[1] O interessante dessa palavra é que, orginalmente, era usada para se referir à troca de moedas em relação a câmbio. Isso faz completo sentido quando pensamos que Judas trocou Jesus por trinta moedas de prata, sem saber que tal troca redundaria na reconciliação de Deus com o homem.

RECONCILIAÇÃO COM OS IRMÃOS

Portanto, embora Deus tenha se reconciliado com os homens mediante o sacrifício de seu Filho (2Co. 5:18-19), alcançando judeus e gentios como indivíduos, ainda resta uma reconciliação a ser feita com todo Israel como nação, conforme Romanos 11:25-27. No fim dos dias, a provação será insuportável, como previram Yeshua e os profetas. Muitos judeus perecerão e um remanescente escolhido sobreviverá à grande tribulação.

Milhares de judeus oram no muro ocidental do Templo no Yom Kippur de 2015 (Pinterest)

Esse remanescente estará clamando em grande aperto, com pesar e arrependimento, conforme ocorre todos os anos em Yom Kippur. Eles terão a revelação de Yeshua como Messias, durante esse período, e estarão clamando por expiação e reconciliação, como dizem as orações de Teshuvá, tão comuns nessa Festa. Outro mistério que se apresenta aqui é o peso do testemunho dos 144 mil judeus que provavelmente alcançarão esse remanescente com a palavra da salvação e o testemunho de Yeshua.

Para exemplificar apenas em parte o que será esse encontro de reconciliação de Israel com seu Messias, precisamos recorrer à história de José e seus irmãos, no Egito. José filho de Jacó é indubitavelmente o maior tipo de Jesus no Velho Testamento. É o personagem que mais se assemelha ao Messias com uma riqueza incrível de detalhes. No volume 2 de A Oliveira Natural, dediquei um capítulo extenso e exclusivo para mostrar esses detalhes da vida de José que são figuras proféticas de seu antítipo Yeshua. E faço uma longa comparação entre as duas vindas de Yeshua com os dois encontros de José com seus irmãos.

Quando Jacó enviou seus filhos para buscar alimento no Egito a fim de aplacar a fome sobre a terra, jamais imaginaria que os estava enviando de encontro a seu destino. Na primeira vez, eles foram a José que já era o segundo homem do império mais poderoso da Terra. José os reconheceu imediatamente, mas eles não o reconheceram. Essa aparição equivale à primeira vinda de Yeshua, quando veio para os seus, mas os seus não o receberam (João 1:11). Na segunda viagem ao Egito, seus irmãos tiveram de levar Benjamim por exigência de José, se quisessem receber alimento novamente. Desta vez, ele os provou de modo penoso para saber se haviam se arrependido de o terem vendido como escravo, ainda moço, e para verificar se amavam uns aos outros.

Imagem: Pinterest

A angústia que seus irmãos passaram, durante essa provação, é uma figura profética do Tempo de Angústia de Jacó, a ser vivenciada por Israel nos últimos dias. Ao verificar que eles haviam realmente se arrependido por terem-no entregado à morte e estavam decididos a dar a vida por Benjamim para que este não ficasse como escravo no Egito, José se revela a seus irmãos. Aqui ocorre a reconciliação entre eles, após décadas de separação, quando José os abraça um a um e os beija, chorando um no ombro do outro. Correm por seus rostos lágrimas de emoção e alívio, bem como de amor fraternal, em uma reconciliação tão dramática e pungente que nem os melhores roteiristas de Hollywood conseguiriam reproduzir.

Esse encontro é uma figura profética de quando Yeshua se revelar a seus irmãos, quando voltar para livrar Israel de seus inimigos e salvar seu remanescente. Essa é a conexão de Yom Kippur com o fim dos dias, quando o Messias for reconhecido por todo Israel. Esse será o grande Yom Kippur e o dia da reconciliação com seus irmãos judeus que ocorrerá em breve. Tal como os filhos de Jacó ao verem José revelado diante de seus olhos, um grande choro tomará conta da nação de Israel, cumprindo as palavras de Zacarias 12:10, quando “olharão para Ele, a quem transpassaram e o prantearão como quem pranteia pelo filho único, e chorarão amargamente por Ele”.

No segundo encontro de José com seus irmãos, após revelar sua identidade, o choro foi alto e intenso, ouvido de longe pela casa de faraó. No segundo encontro de Yeshua com seus irmãos judeus, o choro será igualmente alto e intenso, ouvido de longe pelas nações gentílicas. Aquele será o dia em que estarão face a face com o Messias tão esperado, será o grande Yom Kippur, o dia da reconciliação de Deus com seu povo. Então, o Sumo Sacerdote Yeshua estenderá as mãos sobre o remanescente e declarará: “seus pecados estão perdoados!”, encerrando toda a liturgia de Yom Kippur e cumprindo sua aliança de remover para longe os pecados de Israel.


[1] Concordância de Strong, n. 2644.

Leia também:

Rosh HaShanah e o Toque do Shofar

A Disciplina de Deus

Yom Kippur: Perdão e Restauração

Sua assinatura não pôde ser validada.
Você fez sua assinatura com sucesso.

A OLIVEIRA NATURAL

Newsletter

Assine nossa newsletter e mantenha-se atualizado de notícias e temas sobre as raízes judaicas do cristianismo.

Explore com profundidade as Festas do Senhor e conheça mais sobre nossas raízes. Leia o livro A Oliveira Natural: As Raízes Judaicas do Cristianismo.